Manejo do pirarucu fortalece a proteção dos territórios
Atividade engaja comunidades em ações de vigilância que inibem a invasão de Terras Indígenas.
Por Marina Rabello/OPAN
Em 1996, quando o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) proibiu a captura e comercialização do pirarucu no Amazonas, limitando a sua pesca a áreas de manejo sustentável, o maior peixe de escamas de água doce do mundo estava quase em extinção. A pesca predatória, que utiliza tecnologias como as redes malhadeiras industrializadas, foi responsável pela drástica redução das populações de pirarucu e de outras espécies nos rios amazônicos, inclusive em Áreas Protegidas. Nas três Terras Indígenas do povo Paumari, localizadas no sul do Amazonas, a cultura e a segurança alimentar das comunidades estavam ameaçadas pela escassez de peixes provocada pela ação predatória de barcos pesqueiros comerciais vindos dos grandes centros urbanos. No médio Solimões, a situação era similar. “Nos territórios indígenas do município de Jutaí, a pesca foi ficando cada vez mais difícil, tínhamos muita dificuldade de encontrar certas espécies”, conta Diomir, do povo Kokama, liderança da Associação dos Comunitários que Trabalham Com Desenvolvimento Sustentável no Município de Jutaí (ACJ).
Neste contexto, o Instituto Mamirauá iniciou o primeiro projeto de manejo comunitário de pirarucu aprovado pelo Ibama, abrindo um novo caminho para as comunidades indígenas e ribeirinhas cuidarem da biodiversidade de seus territórios. Além de possibilitar a conservação ambiental, o manejo tem se mostrado uma ferramenta estratégica na garantia dos direitos territoriais de comunidades tradicionais, porque as mantêm engajadas em atividades de proteção que impedem invasões. Os primeiros passos de um projeto de manejo envolvem a mobilização das comunidades para a organização de um sistema de proteção territorial que impeça a entrada de pessoas de fora e garanta a recuperação do estoque pesqueiro.
Os lagos destes territórios, onde em condições adequadas há fartura de pirarucu, são espaços de disputa histórica entre as comunidades e invasores. Por isso, precisam ser sistematicamente vigiados para que não ocorra pesca ilegal – que afugenta cardumes inteiros e afeta diretamente as cotas de pesca dos grupos de manejadores. “O manejo começa com a posse do território, com a comunidade se organizando para tomar o controle sobre ele”, resume Leonardo Kurihara, indigenista da OPAN.
Os sistemas de proteção são construídos e geridos comunitariamente, e se adéquam a cada contexto. As estratégias variam de acordo com fatores como o número de pessoas envolvidas no projeto e o tamanho da área”, explica Felipe Rossoni, biólogo da OPAN. Em geral, 41% dos custos das atividades de manejo são relacionados à vigilância dos ambientes aquáticos. Parte das despesas são cobertas pelos recursos vindos da comercialização do pescado. A Associação do povo das Águas, dos paumari, por exemplo, reverte 30% da renda gerada pela venda do pirarucu para o seu caixa, e conseguiu, com este recurso, comprar três flutuantes que ajudam na vigilância de mais 815 mil quilômetros quadrados de território. “Antes, tinha muita invasão. Não só para a pesca, mas também para a caça e extração ilegal de madeira. O manejo trouxe essa questão do cuidado com o território. Além dos lagos, cuidamos de todos os recursos de nossos territórios. Cuidamos dos animais e das madeiras de lei, antes ameaçados por caçadores e madeireiros ilegais”, relata Diomir.
A comercialização do pirarucu de manejo a preços justos é fundamental para a manutenção dos projetos comunitários. A atividade, além de conservar a biodiversidade – a população de pirarucu cresceu 60% entre 2012 e 2016 –, fortalece a organização coletiva e a autoestima dos indígenas e ribeirinhos envolvidos, gerando renda para as comunidades e favorecendo sua autonomia.
Em 2019, o Coletivo do Pirarucu, composto por nove associações representantes de 11 áreas de manejo, criou a marca coletiva Gosto da Amazônia para comercializar o pirarucu de manejo sustentável em estados do sudeste, por meio da Associação dos Produtores Rurais de Carauari (Asproc). O pescado da marca coletiva já pode ser encontrado em restaurantes e pontos de venda no Rio de Janeiro e em São Paulo. Em 2021, o pirarucu chegará a Brasília.