PL acaba com licenciamento ambiental e intensifica ameaças a terras indígenas
Em MT, mais de 327 mil hectares sobrepostos por imóveis rurais ficam desprotegidos diante do impacto de empreendimentos que não mais precisarão comprovar sua viabilidade ambiental.
POR HELSON FRANÇA/OPAN
Aprovado nesta quinta-feira (13) na Câmara dos Deputados, o texto base do Projeto de Lei 3729/2004, que altera o licenciamento ambiental, representa o mais duro golpe à política ambiental brasileira empreendido pelo governo de Jair Bolsonaro, com reflexos gravíssimos sobre os direitos dos povos originários. Votado em caráter de urgência, na madrugada, e sem ter sido discutido com a sociedade civil, dentro ou fora do Congresso, a matéria foi aprovada por 330 votos. Apenas 122 parlamentares foram contrários.
De autoria do deputado federal mato-grossense Neri Geller (PP), membro da bancada ruralista e já citado em investigação da Polícia Federal sobre invasões em terras públicas da União, o texto praticamente acaba com o licenciamento, e faz com que a necessidade de se comprovar a viabilidade de um empreendimento, na perspectiva ambiental, se torne uma exceção.
O enfraquecimento das normas ambientais gera insegurança e favorece ainda a ocorrência de tragédias, já que dispensa de licenciamento obras de grande porte, relacionadas a redes de distribuição de energia elétrica, estações de tratamento de água e esgoto, usinas de reciclagem de lixo, além de atividades econômicas associadas à agricultura e à pecuária.
Entre outros pontos, a medida sujeita as terras indígenas a todo o tipo de ameaça. O PL exclui a necessidade de apresentação de estudos de impacto ambiental sobre essas áreas, bem como o estabelecimento de condições de prevenção ou compensação, no caso da instalação de empreendimentos próximos aos territórios que ainda não tiveram a regularização fundiária concluída. As terras indígenas que se enquadram nessa categoria correspondem a 40% dos territórios em todo o país, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai).
De acordo com o texto, efeito semelhante também se estende às áreas quilombolas, já que apenas aquelas tituladas é que seriam passíveis de avaliação de licenciamento ambiental. Ocorre que a grande maioria dos territórios quilombolas, 82% segundo a Funai, encontra-se em fase de reconhecimento de titulação.
Conforme nota técnica assinada por diversas entidades da sociedade civil, incluindo a Operação Amazônia Nativa (OPAN), em Mato Grosso as TIs não homologadas correspondem a pouco mais de 11% da área total (21.633.145 hectares) de territórios pertencentes a povos originários. Porém, apesar de serem minoria, essas TIs concentram 82,4% do total da área ocupada por propriedades rurais. Ou seja, são aproximadamente 327.784 hectares que ficariam desprotegidos, diante do impacto de empreendimentos que não mais precisarão comprovar sua viabilidade ambiental, como prevê o texto base do PL 3794/2004.
A situação pode intensificar a destruição ambiental, pois o desmatamento criminoso e a extração ilegal de madeira já são infrações que acontecem com frequência em Mato Grosso, nas áreas indígenas em processo de demarcação.
Entre 2012 e 2019, o Prodes, sistema vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e que monitora desmatamentos por satélite, identificou 33.583 hectares de desflorestamento ilegal em terras indígenas ainda não demarcadas, situadas em Mato Grosso. Já entre 2013 e 2017, foram 55.924 hectares de exploração florestal ilegal nos territórios indígenas não homologados, inseridos no estado mato-grossense.
Em março deste ano, em um desses territórios, a TI Piripkura, onde vivem povos originários em situação de isolamento voluntário, uma área de 518 hectares foi aberta ilegalmente. A extensão equivale ao espaço ocupado por 298 mil árvores. Os dados são do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter) do INPE.
Na avaliação de Eliane Xunakalo, assessora institucional da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), o PL ilustra claramente as intenções do governo federal em se valer do contexto da pandemia de covid-19 para “passar boiada” – parafraseando a já fatídica expressão utilizada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
“Em meio ao caos na saúde, nas políticas públicas de inclusão social, na economia e desemprego, qual a necessidade em se mexer com licenciamento ambiental em um momento desses? Os ataques violentos não são apenas no campo, mas também em nível de atos normativos. Vamos resistir e buscar reverter mais esse absurdo”, ressalta Xunakalo.Após a apreciação dos destaques do texto base, o PL segue para o Senado. Caso não seja alterado, parte então para a sanção da Presidência.