Fachin demonstra contrassenso que a tese do marco temporal representa
Direitos indígenas sobre a terra são originários e já reconhecidos pela Constituição, ressalta o ministro-relator. Povos seguem mobilizados em todo o país.
POR HELSON FRANÇA/OPAN
Povos originários encararam o voto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, relator do julgamento do marco temporal para a demarcação de terras indígenas, com serenidade e satisfação. Em um detalhado e contundente relato lido entre anteontem e ontem (09), Fachin posicionou-se contrário ao argumento que defende que os indígenas só podem reivindicar terras que eram ocupadas por eles na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988 – ou áreas que disputavam judicialmente naquele momento.
O ministro ressaltou que a Constituição Federal de 1988 reconhece que direito dos indígenas sobre a terra é originário, já que os povos são os primeiros ocupantes. “Não há fundamento no estabelecimento de qualquer marco temporal”, pontuou Fachin no voto.
“Autorizar, à revelia da Constituição, a perda da posse das terras tradicionais por comunidade indígena, significa o progressivo etnocídio de sua cultura, pela dispersão dos índios integrantes daquele grupo, além de lançar essas pessoas em situação de miserabilidade e aculturação, negando-lhes o direito à identidade e à diferença em relação ao modo de vida da sociedade envolvente, expressão maior do pluralismo político assentado pelo artigo 1º do texto constitucional. Não há segurança jurídica maior que cumprir a Constituição”, concluiu o ministro.
Em Brasília participando da 2ª Marcha das Mulheres, movimento pelo empoderamento feminino indígena que acontece na capital federal até este sábado (11), a cacica Xavante Carolina Rewaptu contou que a sensação, após a conclusão da argumentação do ministro, foi de contentamento.
“O ministro Fachin conseguiu demonstrar bem o absurdo e as ameaças que essa tese do marco temporal representa. Foi um voto lúcido”, afirmou Carolina.
A liderança informou que deverá permanecer em Brasília com outros povos para acompanhar os desdobramentos do julgamento, que vem sendo prolongado sucessivamente. Desde o dia 22 de agosto, indígenas encontram-se mobilizados na capital federal contra o marco temporal. O caso será retomado na próxima quarta-feira (15), às 14h, com a leitura do voto do ministro Kassio Nunes.
De acordo com a assessora institucional da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), Eliane Xunakalo, cinco delegações de indígenas de Mato Grosso encontram-se em Brasília, endossando os atos e a vigília contra o marco temporal.
Da aldeia, porém, povos de todo o país também estão mobilizados. A liderança Ediene Kirixi, do povo Munduruku, destaca que na aldeia Papagaio, situada nas proximidades do rio Teles Pires, entre o Pará e Mato Grosso, todo o povo, dos mais jovens aos anciões, acompanham o julgamento com atenção.
“O voto do ministro Fachin ontem não apenas favorece os povos indígenas, como também cumpre com o papel do próprio Supremo, que é de zelar pela Constituição. A tese do marco temporal atenta contra os nossos direitos, já reconhecidos pela Constituição. Esperamos que todos os outros ministros também façam a sua parte. De qualquer forma, seguiremos na luta, como já fazemos há 521 anos”, afirmou Ediene.
Além de Fachin, o procurador-Geral da República, Augusto Aras, também já se posicionou contrário ao argumento do marco temporal.
Julgamento
O julgamento no STF faz parte de uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, que se refere à TI Ibirama-Laklãnõ, onde vivem também indígenas Kaingang e Guarani. A ação (Recurso Extraordinário 1.017.365) possui status de repercussão geral – o que significa que a decisão tomada servirá de diretriz para casos semelhantes no país, em todas as esferas judiciais.
No caso de o argumento do marco temporal prevalecer no STF, todas as terras indígenas que se enquadrem no critério – mesmo as já demarcadas – podem ter a situação revertida, o que geraria um acirramento de conflitos e disputas judiciais.