Proliferação de CGHs na bacia do Juruena compromete uso múltiplo dos rios
Em dois anos, foram projetados 23 novos empreendimentos do tipo na região, aponta monitoramento independente realizado pela OPAN.
Helson França/OPAN
A quantidade de empreendimentos hidrelétricos na bacia do Juruena continua a aumentar de forma pouco transparente e criteriosa, comprometendo o uso múltiplo dos rios. Esse aumento manifesta-se, sobretudo, na forma de Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGHs) – isentas de concessão ou autorização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Vinte e três novos empreendimentos do tipo foram projetados em um intervalo de dois anos (2019 até agosto). A constatação é uma atualização do monitoramento independente das usinas hidrelétricas na bacia do Juruena, realizado pela Operação Amazônia Nativa (OPAN) desde 2013.
A microbacia do rio Sangue, em que se localizam as Terras Indígenas (TIs) Ponte de Pedra, Estação Parecis, Utiariti, Uirapuru – do povo Paresi; Irantxe, Manoki – do povo Manoki; Menkü do povo Myky; Erikpatsa e Japuíra – do povo Rikbaktsa, concentra o maior incremento de CGHs no período analisado, passando de duas para 10. Ao todo, 36 empreendimentos hidrelétricos acumulam-se na microbacia. Além das 10 CGHs, existem 20 PCHs (55%) e 6 UHEs (17%).
Com potência de geração até 5MW, as CGHs passam por um processo simplificado para a viabilização da obra, que inclui a dispensa da apresentação de estudos de impacto ambiental – pois esses empreendimentos são enquadrados como de baixo impacto. Subestima-se, dessa forma, os possíveis efeitos que o conjunto de CGHs pode acarretar aos rios, comprometendo sua relação com os animais, plantas, povos indígenas e comunidades tradicionais.
O custo menor, em comparação a outros empreendimentos hidrelétricos, também favorece a opção pelas CGHs.
“A flexibilidade das normas às CGHs promove a aceleração da privatização do uso dos recursos hídricos, o que põe em risco as outras maneiras de os povos indígenas se relacionarem com as águas na região. Além disso, muitas dessas CGHs planejadas estão próximas a regiões sensíveis, como nascentes”, ressalta a antropóloga e indigenista Adriana Werneck Regina, uma das autoras do estudo.
A proliferação de CGHs relaciona-se, ainda, ao incentivo com que o poder público trata o surgimento de empreendimentos do tipo. As centrais, mesmo dispensadas da necessidade de conseguir a outorga, têm obtido o dispositivo junto à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) com facilidade. A concessão da outorga significa o direito de uso exclusivo de determinada sessão de um curso d’água por, ao menos, 30 anos.
Com relação às Usinas Hidrelétricas (UHEs) e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), os números mantêm-se estáveis. PCHs possuem potência superior a 5 MW até 30MW e as UHEs têm mais do que 30MW.
Conforme o estudo, até agosto deste ano foram identificados 160 aproveitamentos hidrelétricos na bacia do Juruena, entre CGHs, PCHs e UHEs. Dessa quantidade, a maioria, 113, encontra-se na fase de planejamento; 12 estão em construção e 35 em operação.
O monitoramento dos empreendimentos hidrelétricos da bacia do Juruena é realizado mensalmente, por meio do acesso a dados públicos da Aneel, SEMA, Diário Oficial do Estado de Mato Grosso, entre outras fontes oficiais.
O acompanhamento é uma importante ferramenta aos povos indígenas e comunidades, no sentido de fazer valer os seus direitos à consulta livre, prévia e informada sobre quaisquer projetos que possam vir a comprometer os seus modos tradicionais de vida – conforme preveem acordos e convenções internacionais. Além disso, o monitoramento serve de referência a toda sociedade, para o aprofundamento de discussões e possíveis definições de políticas públicas voltadas ao uso saudável dos rios.
Confira outros dados da região no resumo técnico do monitoramento de hidrelétricas no Juruena aqui.