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Assembleia vota projeto inconstitucional que abre reservas legais à mineração

PLC 58 é questionado pelo Observatório Socioambiental e MPMT.

Às vésperas da COP-26, um projeto de lei que será colocado em votação nesta terça-feira, 26, na Assembleia Legislativa de Mato Grosso abre caminho para que áreas destinadas à conservação ambiental sejam exploradas por atividades de mineração e realocadas fora da propriedade.

O alerta consta no manifesto assinado pelo Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT), formado por organizações da sociedade civil com reconhecida expertise na implementação do Código Florestal.

De acordo com o documento, o Projeto de Lei Complementar (PLC) 58/2020, de autoria do deputado estadual Carlos Avallone (PSDB), é “um exemplo escancarado de retrocessos ambientais, de clara inconstitucionalidade e de fortes contradições com a legislação ambiental federal”.

Isso porque a proposta altera a finalidade da Reserva Legal – área localizada dentro de uma propriedade rural com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais.

O Código Florestal Federal (Lei 12.651/2012) veta a exploração predatória como a extração de minérios em Reservas Legais. Leia o manifesto completo abaixo.  

Para sustentar seus argumentos, o Observa-MT elaborou um parecer jurídico em que a jurista Mariana Jéssica Barboza Lacerda da Matta chama a atenção para aspectos ilegais e inconstitucionais do texto do PLC.

A análise técnica apontou que há vício de iniciativa, uma vez que o artigo 22 da Constituição Federal estabelece que cabe privativamente à União legislar sobre “jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia”.

O texto ainda desconsidera a função social da propriedade (art. 170 c/c art. 186) e afronta os princípios do artigo 225, que trata da proibição de retrocessos em matéria ambiental.

Entre as ilegalidades identificadas, estão flexibilização na proteção da Reserva Legal, o que contraria a Lei federal n° 12.651/2012, e o retrocesso quanto à possibilidade de deslocamento dessas áreas, um tema já pacificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Além disso, segundo a jurista, o PL descaracteriza a Reserva Legal estabelecida pelo art. 14 (que a localização atenda a um propósito de preservação relacionado ao Zoneamento) e fere a possibilidade de seu uso sustentável, ao estabelecer critérios mais brandos para ações potencialmente mais lesivas.

A proposta prevê, por exemplo, a possibilidade de supressão da Reserva Legal em casos de interesse social, utilidade pública, exploração mineral ou pesquisa científica – conceitos que, de acordo com o parecer, são “demasiadamente abertos, permitindo que diversas situações se enquadrassem em tais previsões, o que contraria expressamente o que está previsto no Código Florestal”. 

De acordo com o parecer jurídico: “Também se observa uma determinada vagueza conceitual, como ‘ganho ambiental’, ‘exploração mineral’, ‘realocação de Reserva Legal’, entre outros, o que indetermina os limites legais trazidos pelo referido Projeto de Lei e que podem significar futuros problemas”.

MP também questiona

As ilegalidades do projeto também foram alvo recente de manifestação do Ministério Público Estadual. Em nota assinada pelo Procurador-geral de Justiça, José Antonio Borges Pereira, e pelo Procurador de Justiça de Defesa Ambiental e da Ordem Urbanística, Luiz Alberto Esteves Scaloppe, o MP diz que a proposta “fomenta a prática de ilícitos ambientais e resulta em novos estímulos aos desmatamentos no Estado de Mato Grosso”.

“O projeto pretende alterar o regime do instituto da Reserva Legal, descaracterizando-a e entregando ao comércio seu solo e, consequentemente, destruindo a flora e fauna ali presente, razão principal da sua existência”, diz o MP, na nota.

PLC nº 58/2020: uma afronta ao Código Florestal Brasileiro e uma nova ameaça para os mato-grossenses 

Enquanto a população de Mato Grosso segue preocupada com a pandemia da Covid-19, projetos de lei com graves riscos para a população e o ambiente tramitam na Assembleia Legislativa. O Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 58/2020, de autoria do deputado estadual Carlos Avallone (PSDB), é um deles. Um exemplo escancarado de retrocessos ambientais, de clara inconstitucionalidade e de fortes contradições com a legislação ambiental federal.

O PLC busca “permitir […] que áreas que propiciam a mineração possam ser exploradas de modo racional e sustentável”. Assim, propõe a inserção na Lei Complementar n° 38, de 21 de novembro de 1995, que dispõe sobre o Código Estadual do Meio Ambiente, do parágrafo 10, com o seguinte texto: “Para fins de utilidade pública, interesse social, exploração de mineral, pesquisa científica fica permitida a compensação ou remanejamento da reserva legal para extrapropriedade, mesmo que já tenha sido averbada ou registrada no órgão ambiental competente”. Na prática, se aprovado, o PLC 58/2020 permitirá que uma área destinada à conservação possa ser explorada para mineração, uma das atividades mais danosas para o meio ambiente.

Apesar da justificativa de uso sustentável, o PLC 58 altera completamente a finalidade da Reserva Legal. Ao permitir sua exploração, essa área poderá ser compensada, realocada ou até suprimida, embora a Reserva Legal obedeça a critérios e características para sua definição, sendo vedada sua supressão.

A Reserva Legal, de acordo com o Código Florestal federal (Lei 12.651/2012), é uma área localizada dentro de uma propriedade ou posse rural “com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa”. Por isso, de acordo com o artigo 17 do Código Florestal, “§ 1º Admite-se a exploração econômica da Reserva Legal mediante manejo sustentável, previamente aprovado pelo órgão competente do Sisnama”. Assim, o Código Florestal veta a exploração predatória de alto impacto como extração de minérios, caracterizando a Reserva Legal como área de proteção ambiental, cuja defesa e preservação é garantida pela Constituição Federal desde 1988, em seu artigo 225. Ainda que a alteração e a supressão de áreas de proteção ambiental sejam permitidas por meio de leis, é vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção. Com isso, o PLC 58/2020 instaura uma clara descaracterização da Reserva Legal em contradição com o Código Florestal e a própria Constituição de 1988.

A aprovação do PLC tem o potencial de provocar graves consequências para o estado de Mato Grosso e para todos os mato-grossenses que aqui vivem. Entre eles, destacamos:

•      Alteração de processos ecológicos, afetando fauna, flora, solo, água e a população local, inclusive para o desenvolvimento de práticas econômicas sustentáveis.

•      Preocupação quanto ao cumprimento da Constituição Federal e do Código Florestal nos processos de licenciamento dos empreendimentos e atividades desenvolvidas nas áreas de Reserva Legal, o que vai trazer insegurança jurídica para os servidores públicos sobre como será feito este procedimento e para os empreendedores quanto à viabilidade do investimento e possível questionamento no Poder Judiciário.

•      Insegurança na relação com os mercados internacionais e sobre os financiamentos voltados ao estado de Mato Grosso, principalmente aqueles relacionados à agenda climática, já que a proposta demonstra clara oposição com os compromissos do Brasil e de Mato Grosso sobre o meio ambiente.

Diante disso, nós, representantes de organizações da sociedade civil com notória experiência e reconhecida expertise sobre a implementação do Código Florestal e sobre as condições de uso sustentável da terra, nos manifestamos contra esse Projeto de Lei Complementar. Reivindicamos aos deputados estaduais e ao governador de Mato Grosso que esse Projeto de Lei não seja aprovado nem sancionado.