Darci Secchi nos deixou
No dia 30-10-21 morreu, em Brasilia, o nosso querido companheiro e amigo Darci Secchi. Quantas recordações lindas e agradáveis ele nos deixa!
Por Egydio Schwade*
Em 1972 estávamos realizando o Curso de treinamento da 2ª turma da OPAN, em Lajeado/RS. Havia acabado de dar uma entrevista a uma rádio local, falando do trabalho da OPAN com os índios em Mato Grosso e Rondônia, quando fui chamado à portaria do seminário, onde realizávamos o evento. Era o Darci, aspirante a irmão marista que vinha lá da comunidade Capitão/Lajeado e queria informações sobre como participar da OPAN-Operação Anchieta, hoje Operação Amazônia Nativa. No ano seguinte já partia para a Amazônia, onde atuou em várias frentes: no Noroeste de Mato Grosso, com vários povos; depois no Acre, com os Madiha; e no sul do Amazonas no rio Pauini, com os Apurinã.
Após o trabalho de base, se formou em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT e doutorado em Ciências Sociais. Foi professor da UFMT até ser surpreendido pela doença que o vitimou.
Darci sempre foi um grande companheiro e amigo, alegre e disposto, mesmo em meio às perseguições que sofreu, durante seu trabalho indigenista.
Com a enfermeira Rosa Monteiro e a assistente social, Marta Calovi, integrou, em 1976, a 1ª equipe OPAN-CIMI no Alto Purus, Prelazia de Rio Branco, então dirigida por D. Moacir Grecchi, Foi o 1º trabalho indigenista da Igreja dentro das linhas do Concílio Vaticano II, no Acre. Mal havia iniciado as suas atividades, a equipe sofreu dura repressão da Ditadura Militar. O então Superintendente da FUNAI no Acre, José Porfírio de Carvalho, em ação coordenada por Célio Horst, (este se dizia enteado do Presidente Geisel), retirou compulsoriamente a equipe da área. (E cumpre dizer que a FUNAI, não tinha nenhum trabalho de atendimento às comunidades indígenas do Alto Purus.) Durante a longa viagem de retirada em barco, foram submetidos a constantes pressões e até tortura. A viagem terminou com uma caminhada a pé, sob um sol causticante, da comunidade Manoel Urbano, no rio Purus até Sena Madureira no rio Iaco, pela trilha da futura rodovia Rio Branco-Cruzeiro do Sul.
Mas a equipe não desistiu de sua atividade indigenista. Integraram outras equipes. Todos permaneceram na Bacia do Purus. Darci integrou a equipe do rio Pauini, afluente do Purus. Junto com o Zé Bonotto que morreu por doença adquirida naquele projeto e Lino João, hoje professor da UFAM, articularam a 2ª assembleia dos povos indígenas do Purus, realizada no rio Pauini do dia 30 de setembro a 2 de outubro de 1979.
O período dos anos 70 e 80 foi de grandes transformações na política indigenista brasileira. Desencadeou-se um processo de ressurgimento e reconstrução vigoroso dos povos indígenas. Tudo iniciou com um novo tipo de presença. Abolição dos internatos, não mais doutrinar ou catequisar, mas encarnar-se na realidade indígena, procurando sentir o que eles sentiam em suas aldeias ou refúgios. Incentivando encontros e assembleias, superando fronteiras, apoiando a prática de sua cultura, a sua luta por uma terra apta e suficiente para a sua sobrevivência física e cultural.
Darci fez parte desta leva de jovens que empenharam as suas vidas nesta transformação da face indígena. Entre 1970 e 1988, a OPAN treinou e enviou 168 jovens para as regiões onde os povos indígenas mais sofriam, principalmente, na Amazônia. Entretanto, ao relatar a história destes acontecimentos que tão positivamente influenciaram ou mudaram o destino destes povos marginalizados, se costuma evidenciar apenas a alta hierarquia. Mas foi este grupo de jovens leigos que de fato desencadeou e garantiu o chão para este processo de mudança da pastoral indigenista de algumas igrejas cristãs, garantindo a efetivação das orientações do Concílio Vaticano II. Não mais doutrinar, mas olhar e ser luz para os povos oprimidos, encarnando-se na realidade vivida por eles, superando fronteiras geográficas, políticas e religiosas e praticando a solidariedade para fora e para dentro das igrejas cristãs, colhendo as sementes de Deus ocultas: na alegria, na paz e no amor.
Darci permanece vivo entre nós e na vida dos povos indígenas, em especial da Amazônia Ocidental. Nossa solidariedade à esposa Áurea e família de Darci.
*Egydio Schwade, fundador da OPAN.
Casa da Cultura do Urubuí.