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Indígenas do povo Kanela sofrem com enchentes e pedem doações de alimentos e água potável

Os alagamentos vêm prejudicando a produção de alimentos de cerca de 189 pessoas da aldeia Nova Pukanū, localizada na região Araguaia, em Mato Grosso. No local não há água potável e as casas correm o risco de sofrerem novas inundações. Saiba como ajudar os indígenas atingidos por enchentes.

Por Beatriz Drague Ramos/ OPAN

Desde o dia 16 de dezembro, indígenas do povo Kanela estão enfrentando enchentes na aldeia Nova Pukanū, localizada no município de Luciara, na região do rio Araguaia, leste de Mato Grosso (MT). Ao menos 189 pessoas estão ilhadas no local, sem conseguir transporte por via terrestre. A situação se agravou no final do mês de dezembro e início de janeiro, quando os alagamentos invadiram as casas. Os moradores se veem perdendo também o plantio de roças. 

Após repercussão da situação da aldeia na última semana, uma embarcação foi disponibilizada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) para transportar os indígenas com problemas de saúde, e um outro barco foi entregue aos moradores da aldeia pela prefeitura de Luciara para emergências. Ainda assim, não houve entrega de cestas básicas e nem de água potável às famílias, que seguem temendo a piora do cenário com as chuvas incessantes. “A água voltou a subir, a situação está do mesmo jeito. A previsão do tempo é que volte a chover neste mês de janeiro e principalmente em fevereiro. Isso me causa preocupação”, diz o secretário da Associação da Comunidade Índigena do Povo Kanela do Araguaia (Acikan), Cláudio do Nascimento Brito, de 43 anos.

Poço artesiano da aldeia Nova Pukanū com água potencialmente contaminada após as enchentes | Foto: Arquivo pessoal

Em 17 de dezembro, a Rodovia MT 412, que liga os municípios de Porto Alegre do Norte e Luciara, foi interditada, impedindo a locomoção dos indígenas. A aldeia está a 58 quilômetros de Porto Alegre do Norte e a cerca de mil quilômetros da capital, Cuiabá. A interdição da estrada está colocando em risco a saúde das pessoas, como afirma Cláudio. “Já tivemos que tirar algumas pessoas daqui de dentro com problemas de saúde mais graves, uma gestante teve um aborto espontâneo.” A viagem para Porto Alegre do Norte dura aproximadamente quatro horas e meia. 

Segundo o secretário da associação que representa os Kanela, a indígena Takýnă Kanela estava grávida e passou mal por volta das 19h do dia 28 de dezembro, quando os indígenas se mobilizaram em busca de gasolina para levá-la ao hospital de barco. “O pessoal conseguiu gasolina, pegaram um litrinho de um, um litrinho de outro, e tentaram subir o rio. Só que se perderam e tiveram que esperar o dia amanhecer para aportar em uma fazenda e levá-la ao hospital”. 

Indígenas se perderam à noite na tentativa de levar uma mulher grávida em situação de emergência para o hospital | Foto: Arquivo pessoal

As enchentes também provocaram outro prejuízo aos moradores da comunidade, a falta de alimentos, uma vez que as roças de mandioca, por exemplo, foram afetadas, mesmo assim os indígenas ainda não receberam cestas básicas. “A farinha acaba sendo dividida dentro da comunidade”, diz Cláudio. Um vídeo divulgado nas redes sociais mostra a vice-cacique  de 53 anos, Angela Yre indicando os prejuízos nas plantações.

Em meio a esse cenário, Angela lamenta as perdas dos alimentos produzidos. “É muito triste ver a nossa roça se acabando debaixo d’água, porque a gente se esforça tanto para plantar, então é muito ruim ver tudo se destruindo.”

Ela conta que a plantação de mandioca é uma fonte de renda aos indígenas que vendem farinha em Porto Alegre do Norte. “Ia ficar boa para arrancar e fazer a farinha, a raiz está muito fininha. Perdemos também abóbora, batata, inhame, banana. Não teve como aproveitar, a gente fica triste com isso, a perda foi grande.”

O risco do desabamento de casas é outra situação preocupante que se junta à falta de alimentos.“Há pessoas saindo de suas casas, estão com medo de dormir nas moradias que ficaram com a estrutura enfraquecida.Tivemos que pedir aos idosos que têm saúde frágil para saírem de suas casas. Cerca de 50 pessoas já deixaram a comunidade, mas a maioria não quer deixar, não tem para onde ir na cidade” complementa Cláudio. 

Ele, junto às outras mais de 100 famílias, está na expectativa de receber cobertores, cestas básicas e roupas da prefeitura de Luciara. A entrega só deve ocorrer na próxima semana. “Na verdade, não recebemos nada de alimentação e nem água potável. O município tem ajudado a gente com gasolina”, diz. A comunidade está há mais de 10 dias em estado de calamidade. Além disso, os indígenas do povo Kanela aguardam uma análise dos poços artesianos, que será feita pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Araguaia, para saber se a água consumida na aldeia está ou não contaminada.

Diante da situação de urgência, a Acikan pede ajuda à sociedade civil. As doações podem ser feitas via Pix pelo número de CPF 01857503112. “As pessoas podem ajudar com qualquer valor, o montante arrecadado será revertido em gasolina, alimentação, cestas básicas e remédios”, diz Cláudio.

Há seis anos, os indígenas do povo Kanela encararam enchentes semelhantes, de acordo com Cláudio. “Em 2016 a Defesa Civil decretou estado de calamidade pública no município de Luciara. O normal da enchente aqui é em fevereiro. Esse ano em dezembro o Rio Tapirapé encheu e transbordou. Eu acredito que a tendência é ser maior do que em 2016.” 

Alagamento na aldeia Nova Pukanū no início do mês de janeiro | Foto: Arquivo pessoal

A aldeia Nova Pukanū não está dentro de uma Terra Indígena homologada, o que deixa os moradores ainda mais vulneráveis, segundo o líder indígena, uma vez que eles são obrigados a ocupar uma região mais baixa do território, no qual os alagamentos são mais frequentes. “Nós conseguimos uma liminar em 2018 para nos mantermos lá. Porém, tem uma parte da área que é alta, tem cerrado, tem mata que daria para plantar a nossa mandioca, mas devido a aldeia ser em uma área baixa, nós não podemos usufruir da área alta, da área reivindicada porque estamos sob uma liminar que nos impede de avançar.”

A área, segundo ele, é reivindicada desde meados de 2010 e segue até hoje sem os estudos que iniciam o processo demarcatório. A aldeia está em uma terra pública da União, na Gleba São Pedro.

Eliane Xunakalo, 35 anos, assessora institucional da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), avalia que as enchentes estão prejudicando a soberania alimentar do povo Kanela. “Está atingindo as roças tradicionais e eles vão ficar sem alimentos, simplesmente porque não tem como plantar e colher nessa chuva, e essas chuvas estão mais intensas –  embora seja a época delas – o que com certeza tem tudo a ver com mudanças climáticas, agora o tempo está irregular.”

A representante da Fepoimt salienta que é preciso acolher o povo Kanela. “É um povo que é resiliente e está lutando pelo seu território. O momento é de acolher e ajudar a causa deles. O governo pode simplesmente contribuir fazendo o papel dele e a sociedade pode contribuir através de doações e conhecendo quem é o povo Kanela.”

Aldeia Nova Pukanū em período de seca | Foto: Reprodução Instagram

Procurada pela reportagem, a Funai não respondeu quais medidas estão sendo tomadas para auxiliar a população local e nem se haverá entregas de cestas básicas. 

O DSEI Araguaia informou que tem monitorado toda a situação da população Kanela de Luciara, em Mato Grosso, e, ao contrário do que afirmam as lideranças indígenas, “recebido apoio da Funai na entrega de alimentos e água potável, via transporte fluvial, devido às fortes chuvas na região.” 

Em nota, o DSEI diz que as Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI) entram em área regularmente para prestar serviços básicos de saúde, como atendimentos, vacinação e acompanhamento e que a grávida em questão foi transferida para um hospital, passa bem e está sendo monitorada pela EMSI. 

A prefeitura de Luciara não respondeu se irá de fato entregar cestas básicas e água potável aos indígenas e nem qual a previsão de fim da interdição das estradas que ligam os municípios de Porto Alegre do Norte e Luciara.