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Pela demarcação de territórios e aldeamento da política: ATL 2022 uniu 200 povos indígenas em Brasília

“Queremos ser protagonistas dos nossos planos de vida, exercer a nossa autonomia em nossos territórios”, declaram indígenas em carta final do 18º Acampamento Terra Livre.

Por Beatriz Drague Ramos/OPAN

Considerada a maior mobilização indígena do mundo, o 18º Acampamento Terra Livre (ATL) de 2022, realizado na capital federal, entre 4 e 14 de abril, colocou em pauta a presença dos povos indígenas na política, além da retomada dos espaços de participação e controle social indígenas.

Organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em parceria com diversas entidades indígenas de base pelo país, o ATL contou com a participação de 200 povos e 8 mil lideranças indígenas e exigiu em documento final a reconstrução de políticas e instituições indigenistas e a interrupção da agenda anti-indígena no Congresso Federal. Os povos requerem, ainda, a retomada dos espaços de participação e controle social indígenas e propõem metas para o avanço da agenda ambiental.

Após as duas edições feitas de forma virtual por conta da pandemia da Covid-19, a edição deste ano ocorreu presencialmente, aconteceram ao menos 25 plenárias em que foram discutidas a saúde, a educação, os direitos da população LGBTQIA+ e a demarcação de terras indígenas. 

Mais de 200 povos estiveram presentes no ATL 2022 | Foto: Tukuma Pataxó

Em seu último dia (14/4), o ATL contou com o diálogo “Nossa Terra é Sagrada”, em que estiveram presentes pastores, representantes da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), do Santo Daime, das religiões de matriz africana, além de outros lideres religiosos. Uma carta aberta contra as ameaças do governo federal foi apresentada durante a mesa.

O segundo debate do dia 14 recebeu representantes de diversos movimentos populares, nele líderes da Articulação das Comunidades Rurais Quilombolas, Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), da Vida e Juventude em Defesa dos Direitos Humanos, da Comissão Pastoral da Terra, da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), do Conselho Nacional das Comunidades Extrativistas (CNS) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) se reuniram para discutir a importância da união das entidades para o avanço dos direitos no país. 

Hosana Puruborá, cacique do povo Puruborá, de Rondônia, mencionou a necessidade da proteção dos ativistas pelos direitos humanos, um dos trabalhos promovidos pela entidade Vida e Juventude em Defesa dos Direitos Humanos. “É muito triste a gente ver no jornal os nossos defensores indígenas que são mortos por bandidos, garimpeiros e madeireiros.”

Retomando o Brasil: demarcar territórios e aldear a política foi o tema do ATL 2022 | Foto: Edgar Kanayko | WWF-Brasil | APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

A fala de Hosana vem de quem convive lado a lado com ameaças, ainda assim ela persiste lutando pelos direitos de seu povo. “A qualquer hora posso desaparecer da minha comunidade, lá eu vivo cercada, eu não tenho a minha terra demarcada, a culpa é do governo brasileiro, sempre querendo nos derrubar, nos sumir do mapa, mas nós não vamos sumir, porque somos fortes, estamos aqui e vamos resistir, até o fim”, disse. “Vamos dar as mãos e não vamos nos separar, ninguém solta a mão de ninguém, vamos caminhar juntos”, concluiu.

Durante a mesa, Alexandre Conceição, da coordenação do MST, agradeceu aos povos da terra pelo cuidado com os bens da natureza. “Se hoje nós temos mata em pé, se hoje nós temos rios com peixes, se hoje nós temos ar puro é graças aos povos do Brasil, que vivem e protegem seus territórios”.

Atividades culturais também compuseram o ATL, artistas indígenas ocuparam o palco do ATL 2022 e o ato cultural “A queda do céu” seguiu em marcha, do Complexo Cultural da Funarte em direção ao Congresso Nacional, durante a intervenção imagens com luzes, trazendo a denúncia do garimpo ilegal em terras indígenas, a ameaça da tese do Marco Temporal às demarcações e o tema aldear a política foram projetadas concluindo uma série de manifestações que aconteceram ao longo dos 10 dias do ATL.

No último dia do ATL, artistas indígenas ocuparam o palco do ATL 2022 ecoando suas vozes | Foto: Matheus Alves

A presença de indígenas na política foi um tema também colocado pelos povos de Mato Grosso (MT), de acordo com Eliane Xunakalo, assessora institucional da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt). “Decidimos que é importante participar da política, foram validados nomes para a pré-campanha, para campanha a deputada estadual, e federal. E é importante isso estar organizado, porque vivemos em um estado que nos invisibiliza, e temos uma diversidade muito grande.”

A delegação de Mato Grosso foi composta de 570 lideranças de mais de 30 povos, segundo a representante da Fepoimt. Esses líderes levaram demandas de seus povos a Brasília. “O ATL teve uma importância enorme, pois falou sobre a política, mas principalmente sobre as demandas aqui de Mato Grosso.”

Indígenas do Parque Indígena do Xingu se manifestam contra o PL 191/2020 | Foto: Marcos Ramires/OPAN

Há povos que ainda lutam pelos seus territórios, por demarcações, e há povos que querem investimento em sustentabilidade no estado mato-grossense, relata Eliane. “A grande maioria quer políticas públicas, investimentos em cadeias positivas, em infraestrutura, na educação que está muito precária e na saúde. Os povos indígenas de Mato Grosso foram compartilhar suas dores e suas alegrias.”

Além das pautas regionais, os povos presentes no acampamento destacaram a agenda nacional do movimento. Assim, milhares de indígenas e apoiadores do ATL marcharam nos dias 9 e 11 até o Congresso Nacional e o Ministério de Minas e Energia em protesto contra o projeto de lei (PL 191/2020), que permite a mineração em terras indígenas. A tese do Marco Temporal também foi alvo de protestos durante todo o evento.

Os povos ainda se posicionaram contra medidas que tramitam no Congresso Nacional, entre elas está o PL 6299/2002, o chamado Pacote do Veneno, que permite a flexibilização de agrotóxicos. Eles se opuseram contra os projetos de lei 2633/2020 e 510/2021, que permitem a grilagem de terras públicas, e fizeram um alerta contra o PL 3729/2004 (agora PL 2159/2021, sob análise do Senado) do Licenciamento ambiental. O PL 2699, do Estatuto do desarmamento e porte de armas foi mais uma das medidas fortemente criticadas pelos povos indígenas.

Marcha para o Ministério de Minas e Energia, contra o PL 191 | Foto: Oliver Kornblihtt

Para enfrentar as ameaças impostas pelo Estado brasileiro, a coordenadora da APIB, Sônia Guajajara destacou a importância das eleições deste ano na plenária de encerramento do ATL. Para ela, a eleição de uma bancada indígena no Congresso Federal é fundamental. “Quando a gente fala demarcar territórios, falamos em demarcar as águas, os rios, as florestas, a biodiversidade, para além dos direitos. Quando defendemos o território em todo o seu conjunto estamos defendendo a vida. E é por isso que a gente reafirma que o nosso acampamento vai continuar de pé, 2023 nós estaremos aqui, com uma bancada indígena eleita.”