Anciã Tapayuna morre aos 73 anos
Kokotxi é um dos símbolos da resistência e da luta pela demarcação do território de origem do seu povo.
Personificação da cultura e da resistência dos Kajkwakratxi (como os Tapayuna se autodenominam), a anciã Kokotxi Tapayuna, 73, faleceu no sábado passado (13). Ela estava internada há quatro dias em estado grave. De acordo com o laudo médico, a morte foi causada por insuficiência respiratória aguda, edema agudo pulmonar, insuficiência renal aguda, sepse e pneumonia. Kokotxi teve quatro filhos e muitos netos.
Ela se notabilizou como uma importante liderança na luta pela demarcação do território tradicional do seu povo, localizado no noroeste do estado, entre os rios Arinos e Sangue, próximo ao município de Diamantino (180 km de Cuiabá). Vale pontuar que, no início dos anos 1970, os Tapayuna foram retirados de seu território de origem e transferidos para o Território Indígena do Xingu (TIX). Antes disso, foram vítimas de dois envenenamentos e uma epidemia de gripe que quase os dizimou.
“Fomos transferidos para o Xingu por conta das ameaças: madeireiros, grileiros, garimpeiros, seringueiros… Teve envenenamento de açúcar [1953], de carne de anta [década de 60] e uma epidemia de gripe [1969]. Quase todos morreram. Os 41 sobreviventes foram transferidos para o Xingu. Chegando ao Xingu, Kokotxi ainda perdeu o marido. É uma história muito triste, mas ela é uma guerreira que sempre esteve à frente das pessoas e que lutou por sua terra”, relata Ropkrase Tapayuna Suiá, jovem liderança local.
Dos 41 sobreviventes, dez foram vitimados por doenças pouco após a transferência, reduzindo ainda mais o grupo Tapayuna, que chegou a 31 indivíduos. Estes passaram a viver com os Kĩsêdjê (mais conhecidos como Suyá) na TI Wawi. Depois o grupo se dividiu e alguns foram morar com os Mebêngôkre (Kayapó) na TI Capoto Jarina. Atualmente, a população soma cerca de 160 indivíduos, considerando filhos de casamentos com os Mebêngôkre e Kĩsêdjê.
Apesar das quatro décadas no Xingu, as histórias e lembranças do território original permanecem vivas na memória do povo. “Kokotxi foi uma historiadora e conhecedora da cultura tradicional tapayuna. Ajudou muito no processo de reconhecimento da nossa história e na luta pela demarcação do nosso território de origem. Sua memória era capaz de lembrar toda a história, de cada região, os pontos das aldeias antigas, as festas tradicionais. Estamos na luta para retornar e para que finalmente seja demarcado. Ela tem muita importância nessa luta”, avalia Yaiku Tapayuna, jovem liderança local.
Kokotxi também era professora e contribuiu com a formação de muitos indígenas. Ela pôde se despedir, no início de 2022, de outra importante liderança Tapayuna, Ngaimotxi Kajkwakratxi, 76, que, assim como ela, era memória viva do povo. A arqueóloga Gabriele Viega conheceu as duas anciãs, que lhe confessaram um desejo comum: “que os netos e bisnetos, a partir das memórias delas, consigam levar adiante a luta pela demarcação do território”.