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Mais uma etapa da luta contra a UHE Castanheira

MPF e DPU pedem fim do licenciamento da usina pelo estado de Mato Grosso

Rio Arinos. Foto: Pablo Albarenga/OPAN

Após anos de mobilização e um acúmulo de evidências técnicas sobre irregularidades e inconsistências no processo de licenciamento da Usina Hidrelétrica (UHE) Castanheira, o empreendimento sofreu um importante revés. A Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF) entraram este mês com uma Ação Civil Pública (ACP) pedindo a suspensão do licenciamento ambiental e que, pelo impacto aos povos indígenas, a responsabilidade de sua condução saia das mãos da Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA-MT) e vá para o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão ambiental federal.

A ACP foi a melhor notícia desta semana para os que se veem diariamente preocupados com o andamento do processo. Projetada para o baixo curso do rio Arinos, a usina alagaria uma área de 94,7 km2, impactando moradores do município de Juara, onde é prevista a construção, além de outros municípios adjacentes, como Porto dos Gaúchos e Novo Horizonte do Norte, causando danos irreversíveis a povos indígenas, agricultores, pescadores e empresários locais.

“O rio não é a gente que constrói. Ele é construído pela própria natureza. Assim como vocês, homens brancos, falam que é Deus que constrói, a gente também tem esse conhecimento”, disse Yaiku Suya, do povo Tapayuna. Ele comemorou a decisão e enfatizou que o rio vale mais do que tudo que se considera do ponto de vista econômico. Além dos impactos previstos para o território ancestral Tapayuna, a usina afeta diretamente os Rikbaktsa, Munduruku, Apiaká e Kayabi que vivem na região.

“A gente vê com bastante satisfação que o MPF e a DPU tenham dado esse passo por conta da flagrante violação que esse empreendimento representa aos direitos dos povos indígenas”, avalia Andreia Fanzeres, coordenadora do Programa de Direitos Indígenas da Operação Amazônia Nativa (OPAN). Ela mencionou a importância do pedido de federalização do empreendimento considerando os impactos aos indígenas, o fato de ser um projeto Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e que, de forma controversa, se mantém como prioridade do governo federal no Programa de Parcerias e Investimentos (PPI). “Ele é um projeto federal”, afirmou.

Dilma Maria Mani, Kawaiwete (Kayabi) da Terra Indígena Apiaká-Kayabi, observou que a ACP é resultado de muita união das comunidades em defesa do rio e das gerações futuras. “A gente pensa nos nossos filhos e netos que vêm crescendo, pra eles terem água viva, peixe, a caça, as frutas e outros mais. Eles têm que conhecer a história, uma história viva que a gente guarda”.

Liliane Xavier, da Rede Juruena Vivo, contou sobre os anos de mobilizações contra as ilegalidades da usina. “A gente entende que é uma vitória, que é uma conquista do movimento, da luta, de todos que se reuniram e perceberam o quanto é importante a defesa das águas, principalmente nesse contexto de ebulição climática em que estamos”.

Já notabilizado por protagonizar diversos retrocessos socioambientais em Mato Grosso, como a lei do “Cota Zero”, a autorização para mineração em Reserva Legal e outros, o governo estadual atualmente se apresenta como um fator de risco aos direitos sociais da população.

Em uma reunião recente, por exemplo, a SEMA, a despeito das irregularidades, tendenciou a forçar a realização de uma audiência pública para dar continuidade no processo da UHE Castanheira. “Dada a qualidade do EIA-RIMA e vários processos lesivos do ponto de vista socioambiental, ou seja, às comunidades e aos ecossistemas ali envolvidos, a chance de que o Ibama indefira o processo é maior do que através da SEMA”, avalia o secretário executivo do Formad, Herman Hudson Oliveira.

Jefferson do Nascimento, do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), destacou a complexidade do bioma e da região do Vale do Arinos e a necessidade de estudos aprofundados. “A gente sabe que a Secretaria de Meio Ambiente tem um histórico de passar muito pano para péssimos estudos de impacto ambiental”, pontuou.

Para exemplificar, ele mencionou o caso da Usina Hidrelétrica de Sinop. “Foi um péssimo Estudo de Impacto Ambiental que gerou e está gerando uma série de consequências tanto de violação dos direitos das populações quanto da questão ambiental, que foi aquela mortandade de peixes e a floresta ainda dentro do lago apodrecendo”, criticou.

Com o licenciamento da UHE Castanheira em um órgão ambiental federal, espera-se que haja maior sensibilidade e responsabilidade no processo. “A nossa expectativa é que haja seriedade para que os impactos sejam de fato considerados, que avaliem de fato a viabilidade dessa obra, que vai entregar menos de 100 megawatts de potência, e que, ao analisar com seriedade esse caso, o Ibama arquive esse licenciamento. Essa é a nossa expectativa enquanto sociedade civil”, concluiu Andreia Fanzeres.