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Povo Paumari realiza etapa piloto do manejo de matrinxã

Referência no manejo sustentável do pirarucu há mais de uma década, os Paumari ampliam o manejo pesqueiro em 2024 com o início do trabalho com uma nova espécie.

Desde o começo do trabalho com o manejo do pirarucu, em 2013, os Paumari já tinham o desejo de manejar outras espécies pesqueiras para compor a comercialização de pescado e contribuir com a renda das comunidades indígenas. A partir de um diagnóstico realizado entre 2022 e 2023, que analisou os deslocamentos de cardumes no território Paumari, as espécies de valor comercial e possibilidades de organização do trabalho, o povo deu início a ampliação do manejo pesqueiro realizando este ano a primeira etapa para implementação do manejo de matrinxã. A iniciativa piloto aconteceu entre os meses de março e abril, na Terra Indígena Paumari do Cuniuá, no Amazonas.

Na assembleia da Associação Indígena do Povo das Águas, realizada em maio de 2023, o plano de manejo pesqueiro foi aprovado. Foto: Tainara Proença/OPAN

O diagnóstico “Manejo das águas: plano de manejo pesqueiro do povo Paumari”, elaborado pelo consultor João Vitor Campos-Silva e pela equipe de indigenistas da Operação Amazônia Nativa (OPAN), foi apresentado, discutido e aprovado durante a última assembleia da Associação Indígena do Povo das Águas (Aipa), organização representativa do povo Paumari, realizada em maio de 2023. Também durante a assembleia, o plano operacional da pesca piloto foi construído coletivamente, prevendo equipes, logística e insumos necessários para a atividade.

O documento, a implementação e todo o acompanhamento técnico foi feito com o apoio do Raízes do Purus, projeto realizado pela OPAN e patrocinado pela Petrobras e Governo Federal. A iniciativa também apoia, desde 2013, o manejo do pirarucu realizado pelos Paumari.

A pesca piloto

Com o diagnóstico e plano aprovado, uma reunião de planejamento foi realizada em fevereiro deste ano para acertar o local e a data da pesca, fazer a divisão das equipes e encaminhar detalhes práticos, como a locação de barco e demais equipamentos necessários para a pesca. A estratégia de uso do recurso, o zoneamento, a vigilância, a fiscalização, o monitoramento, a organização social e a repartição dos lucros de forma justa, pontos básicos do manejo comunitário, também foram pautas discutidas durante o planejamento.

Povo Paumari durante a etapa piloto do manejo de matrinxã. Foto: Tainara Proença/OPAN

A pesca piloto foi iniciada após o período do defeso, finalizado em 15 de março. Aproximadamente 20 pessoas integraram as oito equipes de trabalho, divididas em diversas funções. “Diferente da pesca do pirarucu, a pesca de matrinxã é uma pesca de espera e cerco de cardumes. Em apenas um lance podem pescar centenas ou milhares de peixes”, explica Felipe Rossoni, indigenista da OPAN e coordenador do projeto Raízes do Purus, que acompanhou a pesca.

Mesmo sob condições ainda não ideais do nível da água nos rios Tapauá e Cuniuá, o povo Paumari decidiu por colocar em prática a atividade. Após pouco mais de três semanas de trabalho, com o monitoramento da movimentação dos peixes pelo igapó, os agrupamentos formando os cardumes e espera na tentativa de realizar uma captura cercando um dos cardumes, os Paumari conseguiram pescar 865 peixes, somando aproximadamente 1 tonelada de pescado. O resultado ficou abaixo da expectativa, porém faz parte do processo de aprendizado do manejo da nova espécie. “Desde a estruturação da atividade, o centro das discussões foi a importância em realizar a pesca piloto, de forma a gerar informações detalhadas para compor as melhores estratégias de gestão dos estoques, das capturas, do plano operacional da pesca, incluindo estimativas de custos para realização da atividade. A grande meta desta pesca foi o aprendizado adquirido por todos”, avalia Felipe.

Povo Paumari capturou 1 tonelada de matrinxã durante a pesca manejada piloto. Foto: Tainara Proença/OPAN

A produção foi levada para a cidade de Lábrea (AM) e rapidamente absorvida pelo mercado local, sendo vendida diretamente para o consumidor. “A venda direta proporciona um contato mais próximo com a população e também a melhor apresentação do trabalho realizado, resultando em um reconhecimento regional e prestígio para um trabalho que é sério e organizado”, explica José Lino Paumari, coordenador da pesca.  Além da matrinxã, menores quantidades de outras espécies foram pescadas e comercializadas, como pacu, piranha, tucunaré, surubim e aruanã.

Como parte do processo do manejo, o povo Paumari fará uma reunião de avaliação para entender os pontos positivos, o que pode ser melhorado e como cada parte do processo (organização social, pesca, armazenamento, transporte, comercialização, repartição de benefícios e monitoramento da atividade) pode ser aprimorada.

Uma iniciativa pioneira

O manejo da matrinxã, em fase inicial, compõe o manejo pesqueiro do povo Paumari a partir dos esforços iniciados com o manejo do pirarucu. Mas, diferentemente do trabalho com o pirarucu, em que há métodos consolidados e regulamentação específica, o manejo de espécies pesqueiras como a matrinxã, conhecidas como “peixe gordo” ou “peixe de cardume”, é uma experiência nova e pode ser exemplar também para outras regiões.

“A estruturação de metodologias simples para monitoramento de espécies de cardumes e sua eficácia para monitorar os estoques dessas espécies no território pelos próprios pescadores ainda precisa ser aprimorada. Através de diálogos interculturais entre indígenas, ribeirinhos, técnicos e pesquisadores poderemos chegar em formatos práticos, considerando os diferentes saberes e estruturando mecanismos que garantam a sustentabilidade da pesca”, sugere Felipe.

O manejo de matrinxã, em fase piloto, é uma experiência inovadora e pode servir de referência para o desenvolvimento do trabalho em outras regiões. Foto: Tainara Proença/OPAN

O manejo desse tipo de espécie exige uma abordagem mais complexa, uma vez que os peixes precisam de uma área muito maior que os limites das terras indígenas para cumprir seu ciclo de vida. Portanto, pensar o manejo dessas espécies é pensar também no manejo das águas e na governança territorial dos povos e comunidades vizinhas às terras Paumari.

Em informe enviado a órgãos de governo e organizações indígenas e comunitárias da região, a AIPA explicou todo o  processo, que foi iniciado com o manejo do pirarucu.  “Iniciamos lá atrás, focando em nossa organização interna e em estratégias, buscando a recuperação do estoque de pirarucu até alcançarmos níveis de recuperação que permitiram aplicar nosso plano de manejo participativo do pirarucu e obter a primeira autorização de cota para abate e comercialização em 2013. Passados vários anos e todas as dificuldades, alcançamos excelentes resultados. Sempre pensamos e nos dedicamos a estruturar o manejo não somente pensando no pirarucu, mas iniciamos o longo caminho com ele”, diz trecho do informe.