Funai dialoga com lideranças indígenas e parceiros em Cuiabá
Joenia Wapichana e sua equipe acolheram necessidades de povos indígenas de Mato Grosso e apresentaram novas ações no cenário de reconstrução do órgão indigenista
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Por Túlio Paniago e Dafne Spolti/OPAN
A nova Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), sob a presidência de Joenia Wapichana, tem um diferencial que pode ser exemplo para todo e qualquer órgão público: um diálogo franco junto àqueles que estão sob o escopo de sua atuação.
Na tarde da última sexta-feira (14), no auditório do Parque Estadual Massairo Okamura, em Cuiabá (MT), o órgão indigenista promoveu uma reunião com lideranças indígenas e parceiros. Sem rodeios, a presidenta Joenia Wapichana marcou o ritmo das falas para ouvir o maior número de pessoas, acolheu as questões apresentadas e explicou o funcionamento e a situação da Funai.
“É o menor orçamento do governo, mas temos responsabilidades sobre 13,8% das terras brasileiras e cerca de 1,7 milhão de indígenas representantes de uma diversidade incrível. O desafio é enorme, mas estamos comprometidos com o trabalho”, ressaltou Joenia.
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As lideranças dos povos Balatiponé-Umutina, Kayapó, Guató, Arara, Bakairi e Bororo, e parceiros convidados, destacaram a necessidade de ações como a demarcação de terras, o combate às invasões em seus territórios, a melhoria na qualidade dos atendimentos de saúde, o fortalecimento de atividades econômicas, a fiscalização de irregularidades em obras próximas aos territórios e uma presença mais efetiva das Coordenações Técnicas Locais (CTLs) e Coordenações Regionais (CRs) da Funai.
Além de se comprometer com a resolução e encaminhamento das pautas levantadas, explicando os limites da Fundação em alguns casos, Joenia anunciou que estão avançando na demarcação física de terras indígenas: 60 em todo o país, sendo seis delas em Mato Grosso.
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A equipe presente, que incluiu a CR Cuiabá e as diretorias de administração e gestão, promoção e desenvolvimento sustentável e proteção territorial, deu detalhes da atual conjuntura da Funai, que ainda está em processo de fortalecimento após anos de desmonte acentuados no governo de Jair Bolsonaro, quando não houve nenhuma delimitação ou homologação de terra indígena, fato inédito nos últimos 50 anos no país. Foi destacado também a quantidade reduzida de pessoal (1200 servidores no Brasil inteiro) diante das várias atribuições da autarquia, além da falta de recursos financeiros.
Em relação ao déficit de pessoal, foram apresentadas ações com o objetivo de solucionar a questão, como a adesão ao Concurso Público Nacional Unificado (CPNU) que garante 30% das vagas da Funai para candidatos indígenas. O resultado foi divulgado neste mês e a expectativa é receber 502 novos servidores até abril, que vão ocupar praticamente a mesma quantidade de vagas deixadas pelos profissionais em processo de aposentadoria na Fundação.
Joenia e sua equipe também destacaram ações importantes que simbolizam a reconstrução da Funai. A homologação de 13 terras indígenas desde o início de sua gestão é uma importante conquista, bem como a revogação das instruções normativas 01 e 12 criadas durante o governo anterior para liberação de empreendimentos e regulamentação da exploração de madeira em terras indígenas.
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Poder de polícia da Funai
O encontro entre servidores locais e a alta gestão da Funai também serviu para tirar dúvidas sobre o poder de polícia do órgão, regulamentado pelo Decreto 12.373/2025, mas que está previsto desde 1967 na lei que criou a autarquia (Lei 5.371/1967), porém nunca saiu do papel. A diretora substituta de Proteção Territorial, Rosane Silva, explicou que a Funai está trabalhando em instruções normativas que vão definir a atuação para implementar a atividade administrativa.
Também foi pontuado que o poder de polícia visa garantir a segurança dos servidores, dos povos indígenas e de outros atores, portanto tem a prerrogativa de limitar ou disciplinar o exercício de direitos individuais em favor de interesse público, mas não se confunde com as atribuições exclusivas de órgãos de segurança.
“A gente precisa desse poder de polícia. Estamos na sexta terra indígena para fazer desintrusão. A primeira foi nos Yanomami, que é contínua. Também estamos na Arariboia e nos Kayapó. O servidor não tem permissão de comprar nem colete a prova de balas. É uma necessidade real que vai possibilitar tomar muitas providências”, avalia Joenia.
Outras agendas em Mato Grosso
Além da reunião, Joenia também visitou o prédio CR da Funai em Cuiabá, que passa por um processo de reforma e revitalização. As visitas às CRs têm sido uma prática adotada desde o início da gestão para conhecer os trabalhos realizados e o contexto interno vivenciado pelos servidores.
Mato Grosso possui seis CRs atuando com mais de 42 mil indígenas de 43 povos e em territórios de indígenas isolados. A CR Cuiabá, que estava presente na reunião, atua junto aos povos Guató, Bakairi, Kayapó, Paresi, Chiquitano, Bororo, Negarotê, Nambikwara, Balatiponé-Umutina, Wasusu, Halotesu, Terena e Aikanã.
Na quinta-feira (13), em Campo Novo do Parecis, Joenia assinou duas portarias que possibilitam que os povos Paresi, Nambikwara e Manoki utilizem como garantia o penhor da safra junto aos bancos, instituições financeiras, empresas de insumos e equipamentos. Com isso, as cooperativas indígenas poderão obter insumos agrícolas, máquinas e financiamentos para implementar suas atividades agropecuárias.
A reunião em Cuiabá contou com a presença de diversas organizações e entidades, como a Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), o Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi), Defensoria Pública Estadual (DPE), Defensoria Pública da União (DPU), Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso (FDHT), Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e Operação Amazônia Nativa (OPAN).
“Foi uma iniciativa importante a presidência da Funai ter vindo com a sua equipe para uma comunicação ampla com os órgãos governamentais e não governamentais e organizações indígenas presentes”, avalia Ivar Busatto, coordenador geral da OPAN.
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