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Caravana fortalece a atuação das mulheres no manejo do pirarucu

Iniciativa uniu indígenas e extrativistas em um intercâmbio de experiências ao longo do rio Juruá

Por Talita Oliveira | OPAN

“A saída da aldeia foi um pouco difícil, é a primeira vez que estou viajando para tão longe do meu território”, relatou Gabriele Paumari, manejadora da Aldeia Manissuã, do município de Tapauá. Integrante da Associação Indígena do Povo das Águas (AIPA), ela compôs a comitiva de nove mulheres Paumari que encararam três dias de barco até Manaus e outras 41 horas de lancha até Carauari, no sudoeste do Amazonas.

Todo esse percurso teve um propósito especial: participar da “Caravana das Mulheres Manejadoras de Pirarucu”, evento que percorreu comunidades ao longo do rio Juruá, promovendo encontros entre mulheres indígenas e extrativistas que atuam no manejo sustentável do pirarucu. “Estou muito feliz de estar aqui com as minhas parceiras. Vamos compartilhar a nossa experiência e acredito que isso vai fortalecer ainda mais o nosso trabalho”, afirmou Gabriele.

Barco com a Caravana das Mulheres Manejadoras de Pirarucu
Caravana aconteceu entre os meses de abril e maio, percorrendo o rio Juruá. Foto: Talita Oliveira/OPAN

Promovida pela AIPA e pela Associação das Mulheres Agroextrativistas do Médio Juruá (ASMAMJ), com o apoio da Operação Amazônia Nativa (OPAN), a iniciativa faz parte do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social. Em 2024, o manejo pesqueiro desenvolvido pelo povo Paumari foi uma das experiências vencedoras da 12ª edição do prêmio, o que consolidou uma parceria com a Fundação Banco do Brasil, garantindo recursos para fortalecer e ampliar a atividade.

Saberes que empoderam os territórios Médio Juruá e Paumari do rio Tapauá

Além das Paumari do rio Tapauá, participaram mulheres das Reservas Extrativistas (Resex) do Baixo e Médio Juruá e da área do Acordo de Pesca de Carauari, abrangendo os municípios de Juruá e Carauari. Representantes de diversas instituições que apoiam o manejo também estiveram presentes.

Caravana das Mulheres Manejadoras de Pirarucu
Promovida pela AIPA e ASMAMJ, os encontros aconteceram nas comunidades no Médio Juruá ao longo de uma semana. Foto: Talita Oliveira/OPAN

A troca de conhecimentos das mulheres com diferentes culturas e histórias dos territórios — Terra Indígena, Resex e área de Acordo de Pesca — compôs o evento, enriquecendo o diálogo e fortalecendo as múltiplas formas de organização social das mulheres manejadoras em suas comunidades.  “Fortalecer nossas bases, que são nossas comunidades e territórios, é um dos grandes objetivos da caravana. Uma vez que nossos territórios estejam empoderados socialmente, todo mundo pode ser empoderado, principalmente nós mulheres”, refletiu Rosângela Cunha, presidente da ASMAMJ. 

Comunidade São Raimundo

Após 24 horas de viagem, a caravana chegou à Comunidade São Raimundo, na Resex Médio Juruá, onde aconteceu o primeiro encontro. Eliane Farias Canuto, conselheira da comunidade, abriu o diálogo destacando a força e relevância das mulheres no manejo.

“Eu acredito que tudo que a gente queira fazer a gente tem capacidade de fazer e o manejo veio mostrar isso para a gente. Hoje em dia, se as mulheres não estiverem no manejo, não existe manejo”, destacou. A afirmação de Eliane é literal: na comunidade, elas representam 49% das pessoas envolvidas na atividade.

Caravana das Mulheres Manejadoras de Pirarucu
O encontro também contou com a participação de mulheres das comunidades Barreira do Idó, Ouro Preto e Morada Nova. Foto: Talita Oliveira/OPAN

A história do início da participação das mulheres no manejo em cada comunidade, como conciliar a maternidade com o trabalho, as estratégias coletivas de organização, além da demonstração das diferentes técnicas de evisceração do pirarucu, foram alguns dos temas abordados no encontro. As mulheres também puderam conhecer a comunidade e visitar a impressionante iniciativa da Usina Solar, estrutura de painéis solares adquirida pela comunidade com recursos oriundos do manejo, que substituiu geradores movidos a combustível e fornece energia elétrica limpa para todas as famílias.

A programação incluiu ainda um diálogo com os integrantes do “Jovens Lutando Pela Caminhada” (JLPC), grupo que atua na mobilização da juventude para a defesa e sustentabilidade das comunidades. “Achei muito importante o trabalho de educação ambiental liderado pelos jovens, isso é algo que pretendo levar para a minha aldeia”, observou Cleide Paumari, manejadora da Aldeia Colônia.

Comunidade Lago Serrado

Após cerca de 16 horas descendo o rio Juruá, o barco da caravana atracou na comunidade Lago Serrado, situada na área do Acordo de Pesca do Baixo Carauari. A recepção foi conduzida por Fernanda Moraes, presidenta da Associação dos Moradores Agroextrativistas do Baixo-Médio Juruá (AMAB), e contou com a participação dos alunos da Escola Manoel de Souza Moraes — símbolo da luta coletiva travada pela comunidade em prol da educação.

“No início de toda a história do manejo não se imaginaria um momento como esse, de mulheres saindo em caravana e juntando força umas com as outras, partilhando suas experiências. A gente estar aqui hoje é uma grande conquista. A gente luta por algo que é nosso de direito”, declarou Fernanda.

Comunidade Lago Serrado
Mulheres das comunidades Marapatá e Concórdia se deslocaram até o Lago Serrado para participar do encontro. Foto: Talita Oliveira/OPAN


No diálogo, as mulheres relataram como a atividade do manejo do pirarucu possibilitou o acesso direto a recursos financeiros e a tomada de decisões relacionadas à pesca, questões antes tratadas quase que exclusivamente pelos homens. “Foi com o dinheiro que ganhei no manejo que pude realizar o meu sonho de ter um telefone rural e assim poder me comunicar com as pessoas”, narrou, emocionada, Ivaneide Lima, manejadora da comunidade Botafogo e conselheira da Associação dos Trabalhadores Rurais de Juruá (ASTRUJ).

Diálogos em movimento

Durante o trajeto entre as comunidades, os diálogos continuaram a bordo, reunindo representantes de associações locais e organizações de apoio que fortalecem o manejo e a organização social no Médio Juruá. Além da AIPA, ASMAMJ e OPAN, também participaram instituições chave como a Associação dos Produtores Rurais de Carauari (Asproc), o Instituto Juruá e o Fundo de Repartição de Benefícios do Médio Juruá, que apresentaram o contexto histórico de décadas de mobilização que faz da região uma referência em protagonismo comunitário.

Durante o percurso entre as comunidades, os diálogos continuaram no barco abordando o contexto histórico de mobilização do Médio Juruá. Foto: Talita Oliveira/OPAN

“O Médio Juruá se torna a fortaleza que é hoje porque tem toda essa turma lutando pelas comunidades, não é só a Asproc, é um conjunto de associações lutando pela melhoria de vida das pessoas”, destacou José da Silva Gomes, colaborador da Asproc e coordenador do manejo de lagos do Médio Juruá.

Outras conexões

A Caravana das Mulheres Manejadoras se insere em um movimento mais amplo de fortalecimento da participação feminina no manejo sustentável do pirarucu, tema cada vez mais presente nas associações e organizações que atuam no manejo.

Em 2023, o Coletivo do Pirarucu criou o grupo de trabalho “Gênero, Juventudes e Intersecções” para dar visibilidade à diversidade no manejo, com foco inicial nas mulheres. O primeiro encontro do GT aconteceu em 2024, com participação das mulheres indígenas Paumari.

Os intercâmbios entre mulheres que atuam no manejo do pirarucu e  que desempenham múltiplas funções sociais, têm ampliado a compreensão sobre as formas de organização comunitária. A partir das trocas de saberes entre diferentes territórios e realidades, surgem instrumentos coletivos, reflexões e práticas colaborativas que valorizam a participação das mulheres em todas as etapas do manejo. “Percebemos que as conquistas das comunidades são fruto da união das pessoas. Voltamos mais fortes para levar novos conhecimentos e força de união para o nosso povo”, avaliou Ana Paula Paumari, secretária da AIPA.

A caravana também se conecta ao processo de organização das mulheres Paumari em torno do artesanato. Ainda em 2024, uma comitiva participou em Manaus do evento Gamu kabadani Hida – Esse é o trabalho das mulheres Paumari, realizado pela AIPA, que promoveu o intercâmbio com outras iniciativas de mulheres indígenas e não indígenas que atuam com artesanato na capital amazonense.