Fortalecendo comunidades, protegendo territórios e maretórios
Encontro histórico mobiliza extrativistas de todo o Brasil em defesa da sociobiodiversidade
Por Talita Oliveira | OPAN
Superando as expectativas iniciais de público, a Semana da Sociobiodiversidade reuniu em Brasília (DF), entre os dias 2 e 5 de setembro, cerca de 450 lideranças dos segmentos da borracha, do pirarucu, da castanha-da-amazônia, da pesca artesanal costeira e marinha e da juventude extrativista, vindas de diferentes regiões do país. Com o propósito de fortalecer suas comunidades e proteger territórios e maretórios, homens e mulheres enfrentaram longas jornadas até a capital do país para participar desse importante espaço de articulação coletiva.

Organizado pelo Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS) e Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos (Confrem), com o apoio de diversas instituições e coletivos, o evento trouxe uma programação intensa. Debates setoriais, encontro da juventude extrativista, diálogos com o governo federal, plenárias, sessão solene em homenagem ao Dia da Amazônia e um ato público marcaram os quatro dias de atividades.
A solenidade de abertura do encontro contou com representantes dos quatro coletivos presentes, da juventude extrativista, do Memorial Chico Mendes (MCM) e da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), além de órgãos do governo, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).

O presidente do ICMBio, Mauro Pires, integrou a mesa de abertura e ressaltou a representatividade do encontro ao destacar a ampla participação de instituições e coletivos. “A quantidade de organizações presentes é impressionante. Isso mostra como o nosso país é diverso e rico, especialmente pela atuação de pessoas que, no seu dia a dia, se dedicam à defesa da floresta, dos maretórios, dos campos e das águas. É essa diversidade que sustenta o Brasil”, afirmou.
Debates setoriais e agenda de incidência
Durante o evento, os coletivos também se reuniram para debater pautas específicas e realizar encontros próprios, como a pré-COP dos Oceanos, Pesca Artesanal e Extrativista Costeiro-Marinha; o III Encontro Nacional das Juventudes de Povos e Comunidades Tradicionais; a 14ª Reunião do Coletivo do Pirarucu; a Reunião do Coletivo da Borracha e o encontro do Observatório Castanha-da-Amazônia (OCA) com os Mobilizadores das Regionais Castanheiras.
O Coletivo do Pirarucu, além de realizar sua reunião interna, esteve com órgãos do governo para debater pautas como o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) e a fiscalização nos territórios de manejo. A Aliança Águas Amazônicas que atua em defesa da conservação dos ecossistemas aquáticos da Bacia Amazônica e reúne 30 organizações de sete países, entre elas membros do Coletivo como a OPAN e o Instituto Juruá, valoriza a participação de pescadores e pescadoras em suas ações e apoiou a presença de manejadores e manejadoras do Coletivo na Semana da Sociobiodiversidade.
Os integrantes do Coletivo se reuniram com representantes do Ibama, ICMBio, Polícia Federal, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Secretaria Nacional de Bioeconomia, além da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. Ela participou da abertura da Oficina “Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) da Sociobioeconomia com foco no manejo do pirarucu no Amazonas”, realizada em parceria entre MMA e PNUD.

Para Edvaldo Tavares, presidente da Associação Agroextrativista de Auati-Paraná (AAPA), o momento representa um avanço para os manejadores e manejadoras. “O PSA, que vai chegar para as pessoas que conservam o meio ambiente, é um passo muito importante e de muita relevância para as pessoas que fazem essa conservação da natureza”. A oficina apresentou e discutiu com os manejadores a proposta piloto de PSA da Sociobioeconomia voltada para o manejo do pirarucu, elaborada pelo MMA com apoio do PNUD no âmbito do projeto Floresta + Amazônia.
“A proposta do PSA não está só sendo montada pela equipe de governo, mas sim também tentando envolver os manejadores no sentido de como ela vai ser. Então é algo muito importante e a gente se sente feliz de poder opinar”, ressalta Diomir de Souza Santos, secretário da Associação dos Comunitários que Trabalham com Desenvolvimento Sustentável no Município de Jutaí (ACJ).
Sessão Solene em homenagem ao Dia da Amazônia e ato público
O plenário da Câmara ficou lotado com a presença de mais de 450 lideranças de coletivos e associações extrativistas na sessão solene em homenagem ao Dia da Amazônia. Somando forças, também participaram representantes de movimentos da sociedade civil organizada, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento Sem Terra (MST), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Coiab.

Na mesa de abertura, o presidente do CNS, Júlio Barbosa, esteve acompanhado por lideranças como Alana Manchineri (Coiab), Ângela Mendes (Comitê Chico Mendes) e a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. Durante sua fala, Alana destacou a centralidade dos povos e comunidades tradicionais na defesa da floresta: “Quando dizemos que somos a resposta não é nada retórico. É a confirmação de que, de fato, estamos segurando o céu para ele não desabar. E fazemos um chamado para todos que queiram se colocar nesse lado da história: a resposta somos nós”, afirmou.

Encerrada a cerimônia, as lideranças se uniram em um ato público em defesa da Amazônia, percorrendo em caminhada o trajeto do Museu Nacional até a Alameda das Bandeiras, no coração da capital federal.
COP 30
O tema da COP 30 encerrou a programação de debates da Semana da Sociobiodiversidade. A mesa, composta por Andreia Fanzeres (Operação Amazônia Nativa – OPAN), Angela Mendes (Comitê Chico Mendes) e Luciana Abade (Presidência da COP), trouxe reflexões sobre a Conferência do Clima que será realizada em novembro, em Belém (PA).

Andreia Fanzeres compartilhou a trajetória da OPAN nas últimas edições da COP, das quais participa desde 2018, destacando os espaços que podem se tornar oportunidades de incidência para as comunidades tradicionais e os desafios de inserção nesses contextos.
“Considero que a convenção do clima deve ser entendida como mais uma frente de luta para as comunidades tradicionais e também para os povos indígenas. Mas esse espaço não é muito fácil, são linguagens e protocolos estranhos ao nosso cotidiano nos territórios. E o que a gente faz nesses espaços? Devemos fazer o que fazemos nos outros: pressionar, lutar e cobrar que nosso país tenha responsabilidade e coerência. É dar visibilidade a tantos segmentos da sociedade que seguem invisibilizados dentro desse ambiente”, avaliou.
Carta da Semana
No dia 5 de setembro, Dia da Amazônia, lideranças indígenas, povos e comunidades tradicionais extrativistas, quilombolas, trabalhadores e trabalhadoras rurais, campesinos e campesinas, ribeirinhos, pescadores e pescadoras artesanais e extrativistas costeiros-marinhos uniram suas vozes para lançar a Carta da Semana da Sociobiodiversidade 2025.
O documento, lido por jovens representantes de cada coletivo extrativista, carrega reflexões, propostas e reivindicações que nascem da luta e da experiência de quem vive e protege a sociobiodiversidade brasileira.
“Reiteramos nosso posicionamento frente ao contexto de ameaças aos territórios e maretórios de uso coletivo. Para nós, são espaços sagrados de construção e manutenção das nossas identidades, saberes, fazeres e lutas. São raízes de nossa ancestralidade, onde se assentam processos políticos, sociais e econômicos. Mesmo com a lacuna de políticas públicas socioambientais, de regularização de parte de nossos territórios e maretórios, o devido reconhecimento e retribuição por nossos conhecimentos e serviços, somos responsáveis pela conservação, manejo e proteção de mais de 30% de áreas protegidas terrestres e 26% de áreas marinhas”, destaca um trecho da Carta.
Leia o documento na íntegra aqui.