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Uma rede mais madura

Mais de 500 pessoas reúnem-se no IV Festival Juruena Vivo para pedir respeito ao direito de consulta.

Por: Andreia Fanzeres/OPAN.

TI Erikpatsa, Brasnorte-MT – Banhada pelo majestoso rio Juruena, a aldeia Primavera, do povo Rikbaktsa, foi anfitriã de um dos mais importantes eventos de articulação regional do noroeste de Mato Grosso, o IV Festival Juruena Vivo. Cerca de 500 pessoas de pelo menos 12 etnias indígenas e representantes de comunidades tradicionais reuniram-se entre os dias 10 e 12 de novembro de 2017 numa demonstração de compromisso e engajamento na proteção da sub-bacia do Juruena.

Pela primeira vez numa aldeia indígena, o Festival Juruena Vivo foi palco para discussões de alto nível sobre cultura indígena, planejamento e desenvolvimento territorial na sub-bacia do Juruena, direito à consulta e consentimento livre, prévio e informado, intercâmbio de experiências com comunidades afetadas pelas hidrelétricas de Teles Pires e São Manoel, oficinas de comunicação, mostra de cinema e feira de artesanato. Não faltaram também apresentações culturais de todos os povos indígenas ali representados, nem o já tradicional show do violeiro Victor Batista.

Além disso, as comunidades realizaram um emocionante acolhimento à comitiva de lideranças Tapayuna, povo que sofreu envenenamentos, massacres e retirada forçada da região do interflúvio dos rios Sangue e Arinos nos anos 70. Eles tiveram apoio maciço das comunidades do Juruena na luta por seu território tradicional, passando a engrossar a relação de parceiros da Rede Juruena Vivo.

Comitiva Tapayuna marca presença no Festival e é acolhida pela Rede Juruena Vivo. Foto: Giovanny Vera/OPAN

“Acreditamos que iniciativas como esta são importantes para nossa reflexão e conscientização. Assim, o Juruena poderá continuar vivo por muito tempo”, opinou Adegildo José do Nascimento, coordenador substituto da CR Noroeste da Fundação Nacional do Índio (Funai). A preocupação generalizada pelos impactos de empreendimentos hidrelétricos a todos os rios da sub-bacia do Juruena, que pertence à bacia do Tapajós, foi um dos motes do encontro.

Embora a maioria dos empreendimentos previstos para a sub-bacia do Juruena ainda não tenham saído do papel, diversos povos relataram os impactos que o rio já vem sofrendo devido ao esquema de autorizações sequenciais para uso da água, contaminação por agrotóxicos e desmatamento. “Olha quanta lavoura no entorno do Juruena! Quando chove, o veneno vai para o rio, não tem mais uma caça que já não esteja contaminada”, contou o cacique Lindomar, da aldeia Escolinha, da TI Erikpatsa.

Rio Juruena. Foto: Giovanny Vera/OPAN.

De acordo com dados levantados pela Rede Juruena Vivo, existem pelo menos 125 hidrelétricas inventariadas para a região, em estágios diferentes de planejamento, instalação, operação. Aproximadamente 30% dos projetos têm potência de até 5 mW (chamadas CGHs), 40% são UHEs que têm acima de 30 mW e outros 30% são as PCHs (de 5 a 30 mW).

Uma das mais preocupantes é a UHE Castanheira (140 mW), prevista para barrar o rio Arinos próximo a sua foz, e que está em processo de licenciamento ambiental pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA). Além de impactos irreversíveis à migração de ictiofauna no rio mais piscoso de toda a bacia hidrográfica, a usina afetará diretamente regiões tradicionais de uso e ocupação de quatro povos indígenas que tiveram subtraídas aquelas áreas nos processos de demarcação de seus territórios.

Kanísio Karara Kayabi fala sobre a importância da luta indígena por seus territórios tradicionais.Foto: Giovanny Vera/OPAN.

Cientes de que recorrentes decisões do executivo estadual e do federal têm violado o bem-estar das comunidades indígenas e ribeirinhas, os participantes do encontro redigiram uma carta (leia aqui) denunciando a falta de planejamento e critérios socioambientais na autorização de empreendimentos no Juruena, reivindicando, sobretudo, o cumprimento da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

“Espero que nosso grito de guerra pelo meio ambiente chegue no Temer. Aquele não tem vergonha. Quer acabar com tudo. Há quantos mil anos os índios moram aqui? Recentemente o estado de Mato Grosso autorizou o uso do correntão para desmatar as áreas. Eu fiquei muito triste. Pelo menos proteger as cabeceiras! Temos que levar nosso apelo para Brasília, para fora daqui”, sugere Rosinês Kamunu, do povo Manoki. “Nossos direitos no Congresso Nacional estão ameaçados. Nós estamos levando spray de pimenta, tem fazendeiro no entorno de nossas terras de olho nas nossas riquezas, inclusive as do subsolo. E o que dizer das prefeituras? Onde estão os recursos do ICMS-Ecológico? Cadê as ações de preservação?”, reclamou Nelson Mutzie, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi).

Ronsinês Kamunu, do povo Manoki, relata descontentamento com a política socioambiental e aponta impactos jamais mensurados dos empreendimentos sobre povos e territórios indígenas. Foto: Giovanny Vera/OPAN.

Ampliando a participação

Na ponta da língua de todas as comunidades que se manifestaram no festival esteve o apelo pela união dos povos indígenas e a sua participação ativa nos espaços de tomada de decisão como instrumentos essenciais de luta no contexto de ameaças aos direitos garantidos na Constituição Federal.

Parceiros da Rede Juruena Vivo definem estratégias de governança para o grupo. Foto: Giovanny Vera/OPAN

“A luta principal dos povos indígenas sempre foi pela terra. Agora é pela água”, disse José Ângelo Silveira Nambiquara Txyalikisu, assessor institucional da Federação dos Povos Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt). Ele, que dias antes havia participado de uma reunião do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) em Cuiabá e presenciou a grande pressão pela dispensa de estudos ambientais complexos para aprovação de empreendimentos no entorno de terras indígenas, avaliou que o movimento indígena em Mato Grosso precisa ampliar sua atuação para fazer valer seus direitos. “Se não tivermos representação nossa lá, eles decidem o que querem”, comentou.

Os parceiros da Rede Juruena Vivo ressaltaram o potencial transformador das mobilizações populares envolvendo uma ampla rede de parceiros, algo que lamentavelmente não ocorreu quando, no início dos anos 2000, o povo Enawene Nawe lutou sozinho contra a sequência de empreendimentos hidrelétricos no alto curso do rio Juruena. Elas foram aprovadas a jato durante o governo de Blairo Maggi, afetando diretamente não apenas a oferta de peixes, mas sua organização social. “Só não aconteceram mais hidrelétricas no Juruena porque houve mobilização de vocês”, considerou Jocelita Giordani, do Ibama. Erivan Morimã, do povo Apiaká, resgatou na história os elementos que comprovam isso. Lembrou com orgulho o que pode ter sido a primeira mobilização de caráter regional no Juruena em resistência a uma hidrelétrica, no rio dos Peixes. “Em 1985 barramos uma usina que já estava com tudo praticamente pronto. E foram todos os povos do Juruena que se uniram”, disse.

De acordo com Marta Tipuici Manoki, da secretaria-executiva da Rede Juruena Vivo, as últimas mobilizações foram bem-sucedidas porque são embasadas na defesa dos direitos dos povos do Juruena. “Quando a gente pede para ser ouvido, não estamos indo contra ninguém. Queremos apenas garantir nossos direitos. ONGs, Funai e estudiosos trazem informações para nós e nós decidimos de que forma vamos usar. Não somos manipulados por ninguém”, disse. E destaca o entendimento da Rede Juruena Vivo sobre a avalanche de empreendimentos previstos para a região. “Quando se fala em hidrelétricas, às vezes a gente quer negociar o nosso direito em cima do direito dos outros. Água é um direito coletivo, bem de todos. Não existe ‘A’ e ‘B’ mais afetados. Todos somos afetados. Nós estamos ligados como se fosse uma veia, através dos rios”.

Marta Tipuici Manoki, da secretaria-executiva da Rede Juruena Vivo, fala sobre a necessidade de análises de impacto em nível de bacia hidrográfica em Mato Grosso. Foto: Giovanny Vera/OPAN.

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