Indígenas de MT em assembleia geral
Em reunião com 43 povos indígenas de MT, Fepoimt discute política indígena.
Por: Giovanny Vera/OPAN
Terra Indígena (TI) Paresi, Campo Novo do Parecis (MT) – A aldeia Rio Verde, na Terra Indígena Paresi, entre os dias 26 e 29 de outubro sediou uma grande assembleia de todos os povos indígenas de Mato Grosso. Durante quatro dias a terra Paresi acolheu mais de 800 pessoas, na sua maioria representantes de 43 povos indígenas do estado que se reuniram para participar da III Assembleia dos Povos Indígenas de Mato Grosso e da I Assembleia Ordinária da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt).
De acordo com os organizadores, o encontro teve como objetivo principal discutir a atual conjuntura indígena, avaliar os instrumentos de defesa dos direitos dos povos e o empoderamento das organizações indígenas de Mato Grosso. “É o nosso momento para pensar e discutir as políticas públicas, para que ofereçam melhorias para nossas comunidades, além de avaliar como está o respeito aos nossos direitos hoje no Brasil”, afirmou Genilson Kezomae, presidente do conselho deliberativo da Fepoimt.
O representante da Terra Indígena Urubu Branco, Reginaldo Tapirapé, participou do evento com o propósito de fortalecer a Fepoimt e o protagonismo dos povos indígenas. “Precisamos nos organizar melhor e levantar a nossa bandeira como indígenas, sermos os protagonistas na criação de políticas para os nossos povos”, disse ele.
Durante a assembleia — que teve a participação de representantes das sete regionais indígenas do estado (Xingu, Kayapó, Noroeste, Cerrado Pantanal, Vale do Guaporé, Xavante e Araguaia) — foi realizada a eleição da nova diretiva da Fepoimt. Cento e quarenta delegados dessas regionais elegeram como presidente o Xavante Crisanto Rudz Tseremey’wá; como vice-presidente Tarcilo Zomoizokae, da etnia Paresi; como tesoureiro Valdemilson Ariabo Quezoe, da etnia Umutina; e como secretário executivo Lucio Wa’ane Terowa’a, da etnia Xavante.
O novo presidente da Fepoimt afirmou que este é um momento muito importante para os povos indígenas porque as instituições de apoio, como a Funai, estão enfraquecidas, e o Estado brasileiro está cada vez mais negligente para com a efetivação dos direitos indígenas. “É a hora de fortalecer a nossa autonomia plena, que nos ajudará a discutir as nossas políticas indígenas e a encontrar novas parcerias que ajudarão a melhorar a vida dos povos”, afirmou Crisanto. “A Fepoimt foi criada para defender os direitos dos povos indígenas, com a diversidade cultural e a especificidade de cada um deles, e essa será nossa luta”, prometeu.
“A eleição da nova diretoria é uma etapa para a regularização da federação, pois quer ser uma participante ativa na criação de políticas públicas voltadas aos povos no país”, disse o novo vice-presidente, Tarcilo Zomoizokae. A regularização da organização e suas afiliadas é um dos primeiros passos, o que possibilitará acesso à recursos.
Apostando ainda mais na representatividade da Fepoimt, durante a assembleia foi discutida a participação indígena nas próximas eleições, resultando na escolha de pré-candidatos a deputados estaduais e federais e senadores. A esperança depositada nesses representantes é que possam ser a voz dos povos e dar a visibilidade a eles no âmbito legislativo.
Os povos indígenas e iniciativas externas do Estado
A assembleia abriu espaços para a apresentação de iniciativas externas que envolvem os povos indígenas, como o comitê estadual da estratégia Produzir, Conservar e Incluir (PCI), ligada ao governo estadual. Fernando Sampaio, diretor da CPI, explicou que trabalha com a visão de como se quer o estado de Mato Grosso dentro de 15 anos, produzindo sem desmatamento, conservando e recuperando as áreas de acordo com a legislação, e com a inclusão de povos tradicionais e indígenas em todo o processo.
Para Marta Tipuici, liderança Manoki, os recursos manejados por iniciativas como a PCI, vindos da Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) devem ser aplicados da melhor forma em favor dos povos indígenas. “Nem a cooperação internacional nem o Estado brasileiro vão salvar as terras indígenas. Quem tem que salvá-las somos nós, o povo indígena mesmo”, acredita ela. Várias foram as vozes reclamando que a contribuição alemã deve ser para quem realmente protege e conserva: as terras indígenas, onde os rios nascem e as florestas se mantêm. “Cada vez mais é índio quem preserva e o branco que destrói”, lembrou Márcio Manduca Nambikwara.
A Fepoimt tem hoje representatividade em alguns espaços políticos dentro do estado, como o Fórum Mato-grossense de Mudanças Climáticas e o Conselho Estadual de REDD. Essa participação permite acompanhar a implementação dessas políticas e assessorar o movimento indígena na sua inserção.
Produção agrícola nas terras indígenas
As lavouras mecanizadas em terras indígenas (as conhecidas parcerias agrícolas) foram motivo de debate na assembleia da Fepoimt, com diversas opiniões sobre a produção agrícola em grande escala e suas implicações para a realização ou não em territórios indígenas. Durante a abertura da assembleia, representantes dos povos do Xingu apresentaram uma carta assinada por diversas lideranças, que expressam a necessidade de máxima atenção para as investidas do governo contra os indígenas e seus direitos. A carta cita a audiência pública promovida em Brasília por deputados da bancada ruralista para discutir a agricultura indígena. “No fundo [ela] busca justificar e fortalecer a aprovação da PEC 215 e a CPI da Funai”, diz o documento.
A mesma carta reafirma o respeito à realidade vivida por cada povo indígena, mas exige que sejam criadas políticas públicas que acolham as diferentes formas de desenvolvimento de cada povo, especialmente na realização de atividades econômicas. “Não aceitamos que as políticas públicas direcionadas a nós sejam elaboradas de forma padronizada e conduzidas por grupos políticos ruralistas declarados inimigos dos povos indígenas do Brasil”, diz a carta.
Kulumaka Matipu, secretário da Associação Terra Indígena Xingu (ATIX), que levou a carta, acredita que a Fepoimt deve trabalhar com a Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em Terras Indígenas (PNGATI), respeitando a especificidade regional e local de cada povo e com decisões tomadas baseadas em consultas de acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“Quando se fala do arrendamento das terras indígenas fica perigoso para nós, e se alguma sociedade quer trabalhar com lavouras arrendando suas terras, deve criar uma autorização unicamente para essa terra e não para todas”, explicou Matipu. “Por isso repudiamos! Tem que ser uma lei específica para cada terra [indígena], sem ferir outras que não precisam e não querem”, finalizou o líder xinguano. Acompanhando o posicionamento dos povos do Xingu, Reginaldo Tapirapé disse que a agricultura indígena deve ser feita de acordo com a tradição de cada região, sempre com responsabilidade e pensando na coletividade.
A especificidade de cada terra indígena é uma posição compartilhada por vários indígenas, entre eles Tarcísio Nambikwara, que acredita que cada povo deve decidir qual é a sua visão de desenvolvimento e como encará-la. Para Tarcilo Zomoizokae, o novo vice-presidente da Fepoimt, é fundamental o respeito aos modelos de desenvolvimento de cada povo, porque são diferenciados. Ele explicou que, para o povo Paresi, é uma decisão deles trabalhar com agricultura e outros projetos de geração de renda.
A assembleia na aldeia Rio Verde demonstrou que os povos indígenas de Mato Grosso defendem seus modos de vida e exigem ser consultados sobre projetos que incidam sobre a gestão de seus territórios. “Desejamos que a federação se fortaleça, ampliando espaços para debates, e que lute pelo futuro dos indígenas, um futuro promissor e de desenvolvimento humano para esses povos, que são os primeiros brasileiros e os que conservam e protegem nossas florestas”, comentou Ivar Busatto, coordenador geral da OPAN.
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