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Lideranças manifestam apoio aos povos isolados no ATL 2022

Plenária reforçou a necessidade de se garantir a liberdade e os territórios dos indígenas que optaram pelo não contato.

“Eu não gosto de usar esse termo ‘índios isolados’, prefiro usar ‘povos livres’”, frisou Adriano Karipuna logo no início da plenária intitulada “Não Estamos Sós – Pelas vidas dos povos indígenas isolados e de contato recente”, que aconteceu na tarde desta quinta-feira (07) como parte da programação do 18º Acampamento Terra Livre (ATL).

A partir da fala de Adriano Karipuna, os demais também preferiram fazer uso do termo “povos livres” para se referir aos chamados “povos isolados ou de contato recente”. Beto Marubo, membro da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), onde se localiza a maior concentração de povos isolados do mundo, ressaltou que os indígenas que optaram pelo não contato não são melhores e nem piores por essa escolha e destacou a necessidade de apoiá-los no contexto político atual: “Neste momento, eles estão vulneráveis.”

Com mediação de Angela Kaxuyana, coordenadora executiva da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), a mesa contou com a participação de Itati Guajá (MA), Adriano Karipuna (AM), Tambura Amondawa (RO), Ronilson Guajajara (MA), Beto Marubo (AM), Alfredo Marubo (AM), Junio Yanomami (RO), Alex Apurinã (AM), Lindomar Terena (MS), Zeca Pataxó (BA), Syratan Pataxó (BA), Paulo Tupinikim (ES), Gilson Mayoruna (AM) e Luis Ventura, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

Vale pontuar que o Estado brasileiro calcula 115 registros de povos indígenas vivendo em isolamento, mas reconhece a existência de apenas 28. Os registros destes povos estão distribuídos em um conjunto de 86 territórios: 54 Terras Indígenas e 24 Unidades de Conservação, além de algumas áreas sem nenhum mecanismo de proteção. Segundo cálculo do Instituto Socioambiental (ISA), o desmatamento em TIs com isolados cresceu quase 1.500% durante o atual governo, se comparado à década anterior.

O secretário adjunto do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Luis Ventura, classificou como “política de morte” a agenda do Estado brasileiro. “A negação sistemática da existência dos povos indígenas, principalmente os livres ou isolados; o aparelhamento e fragilização da política de proteção dos territórios dos povos indígenas; e a precariedade na garantia dos territórios nessas portarias de restrição de uso absolutamente precárias no tempo. São esses três elementos, entre outros, que nos permitem dizer que há uma omissão do Estado brasileiro, mas é muito mais que uma omissão, há uma ação deliberada para criar as condições de extermínio e morte desses grupos”.

Beto Marubo, representante da Univaja, também destacou o desmantelamento de políticas indigenistas e das bases de proteção etnoambientais, bem como o aparelhamento de órgãos públicos. “A Funai [Fundação Nacional do Índio], que foi criada para proteger e tem uma responsabilidade objetiva com esses parentes, hoje é uma ameaça, assim como o madeireiro, o garimpeiro e o missionário”.

Embora tenha criticado a atuação da organização indigenista nos últimos anos, Beto ressaltou sua importância histórica e fez questão de responsabilizar a gestão federal pela desconfiguração do órgão. “Não é a instituição, são as pessoas que hoje a ocupam. A Funai tem uma história importante na proteção dos índios isolados”.

O presidente do Conselho de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY), Junio Hekukari, endossou a crítica ao descrever a situação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). “Virou quartel, tem muito coronel e general lá. Não há gestão, não há planejamento para colocar assistência nas comunidades. O Governo Federal não faz planejamento para garantir assistência médica dentro das comunidades”.

Junio exibiu um vídeo apresentando os estragos do garimpo nas terras dos Yanomami, que é considerado um povo indígena de recente contato. Em seu depoimento, denunciou o descaso governamental no combate à malária, à desnutrição e morte de crianças, à invasão de garimpeiros e à contaminação da água. “Todo dia uma criança morre. Todos os dias, as mães, junto com a floresta, choram. Nós, Yanomami, estamos pedindo socorro”.

Luto e luta

A plenária também prestou homenagens a alguns indígenas que deram a vida lutando por seus territórios e pelo direito dos isolados/livres de se manterem assim. Paulo Paulino Guajajara (MA), assassinado em 2019, foi lembrado por Ronilson Guajajara, que relatou como o território indígena Araribóia, que também abriga os isolados Awá, é ameaçado constantemente pela presença de madeireiros e caçadores.

Embora não estabeleçam contato, os Guajajara e os Awá dividem a mesma terra. Ronilson relatou que a área mais devastada é o norte do território, em uma região denominada “linha seca”, a que faz fronteira com fazendeiros. “Madeireiros e caçadores retiram madeira e caça em abundância. Estas atividades predatórias prejudicam a alimentação e o modo de vida dos Awá isolados, e ainda os colocam em risco ao entrarem em contato com estes invasores”, concluiu.

A morte de Ari Uru-eu-wau-wau, cujos assassinos continuam impunes, também foi lembrada. “A gente não pode esquecer que uma liderança Uru-eu-wau-wau foi assassinada porque fazia o papel de protetor, que é o papel do Estado, dos parentes isolados”, pontuou Angela Kaxuyana. Dois caciques Pataxó, Zeca e Syratan, prestaram homenagens ao Cacique Galdino, assassinado em 1997, em Brasília.

Por fim, Paulo Tupinikim propôs uma importante reflexão ao estabelecer uma comparação histórica entre os atuais povos isolados e os que ocupavam o litoral brasileiro há mais de 500 anos. “Isso nos faz lembrar o que nós, povos indígenas do nordeste e sudeste, que sofreram os primeiros impactos da colonização, o que nós sofremos. Nós fomos a barreira para a sobrevivência dos outros parentes que agora estão sofrendo esse impacto”.

Paulo foi obrigado a interromper a fala porque se emocionou. Após ser acolhido pelas demais lideranças, retomou a linha de raciocínio: “Se eles são povos indígenas livres é porque eles fizeram essa escolha. Eles escolheram ser livres, então deixe-os viver a vida que escolheram viver. São povos indígenas livres, porque isolados eles não estão, estamos juntos com eles. Estamos juntos para poder dar o nosso sangue, a nossa vida, para protegê-los”.