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Sucesso ignorado

Paumari e extrativistas do AM seguem lutando pelo manejo de pirarucu praticamente sem apoio do governo.

Paumari e extrativistas do AM seguem lutando pelo manejo de pirarucu praticamente sem apoio do governo.

Por: Dafne Spolti/OPAN

Tefé (AM) – Os Paumari do rio Tapauá receberam em 2015, junto à Operação Amazônia Nativa (OPAN), o Prêmio Nacional da Biodiversidade, do Ministério do Meio Ambiente, e a certificação como Tecnologia Social da Fundação Banco do Brasil, pelo manejo sustentável de pirarucu. Mais importante do que o reconhecimento, porém, é a transformação que ocorreu a eles em seu território com o resultado do processo do manejo: fartura de alimentação, recuperação e conservação da biodiversidade e o fortalecimento de sua organização interna. Eles desenvolvem o trabalho de maneira exemplar, levando à risca cada detalhe de higiene e da qualidade da carne. Apesar de tudo isso, como vem ocorrendo em comunidades extrativistas de todo o estado, este ano por muito pouco não teriam conseguido comprador para o pescado. Os motivos são diversos, mas para superar os problemas precisam de maior apoio do poder público.

Pesca Paumari. Foto: Adriano Gambarini/OPAN.

Para conseguirem um comprador e um preço aceitável, os Paumari, a Fundação Nacional do Índio (Funai) do Médio Purus e a OPAN realizaram pesquisas de mercado não só no Amazonas, que adquire a maior parcela do pirarucu de manejo, mas em outros estados, especialmente Acre e Mato Grosso. Nesses dois últimos, encontraram frigoríficos interessados, mas que por atuarem com uma lógica de trabalho baseada na criação de peixes em cativeiro, não estão adaptados ao pirarucu manejado, como explicou o coordenador do Programa Amazonas da OPAN, Gustavo Silveira. Ele citou como exemplo um frigorífico que tinha máquinas com capacidade para beneficiar peixes de no máximo 30 quilos, quando a média de peso do pirarucu manejado é o dobro disso. Outro potencial mercado está nas regiões sul e sudeste do país, que exigem, porém, um peixe já beneficiado e com o selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF), fornecido por poucos frigoríficos localizados principalmente em Manaus, insuficientes para receber todo o peixe do Amazonas e que pressupõem também deslocamentos longos, lentos e dispendiosos. Após o estudo foi possível, por fim, negociar a venda do pescado dos Paumari com um comprador de Manaus que adquiriu o peixe ao valor de R$ 5,50/kg.

Além do preço baixo, a pesca dos 200 peixes, realizada em outubro, só foi possível por conta do apoio com combustível da Funai, que fez o repasse por compreender que os resultados do manejo proporcionam benefícios ambientais e que reduzem investimentos em fiscalização. Para viabilizar a pesca os indígenas investiram ainda recursos próprios. Ao final, considerando todas as despesas, ganharam R$ 4,37 pelo quilo do peixe. O indigenista da OPAN, Magno de Lima dos Santos, explicou que se não houvesse a cooperação das organizações parceiras o valor cairia para R$ 2,43.

Pesca Paumari. Foto: Adriano Gambarini/OPAN.

A realidade é semelhante à de outros manejadores do Amazonas. No Médio rio Juruá os moradores da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Uacari e da Reserva Extrativista (Resex) Médio Juruá conseguiram este ano vender o pirarucu a R$ 4,95, fazendo um comércio para sua Associação dos Produtores Rurais de Carauari (Asproc). Em Jutaí, fecharam a venda por meio da Associação dos Comunitários que trabalham com o Desenvolvimento Sustentável no Município de Jutaí (ACJ), ao valor de R$ 4,00, assim como na RDS Mamirauá, a pioneira no manejo sustentável de pirarucu.

Pesca da comunidade Xibauazinho/RDS Uacari em 2016. Foto: Adriano Gambarini/OPAN.

Um dos principais responsáveis pela dificuldade, como tem sido apontado por organizações que atuam com o manejo, é o governo do Amazonas, que apesar da força da atividade em todo o estado praticamente ignora o trabalho, desconsiderando os ganhos diretos que ele proporciona para as comunidades. O governo estadual poderia investir na estrutura para escoar, armazenar e beneficiar a produção; contribuir no processo de venda do pescado, regularizando o mercado; dar apoio técnico às comunidades e investir muito mais na fiscalização para impedir o comércio do peixe ilegal. Mas o cenário é outro: “Você não tem um órgão que ajude no estado. O governo deixa rolar. Você vai discutir subsídio e não tem nada. Eles não sabem dos problemas e não estão interessados”, revela o indigenista da OPAN, Diogo Henrique Giroto.

A falta de interesse tem sido colocada pelas organizações lado a lado com o aumento de incentivo à piscicultura, que não proporciona os resultados sociais e ambientais do manejo. “A gente percebe que falta uma política do governo. O investimento e o apoio eles têm para a piscicultura. Para o manejo não têm”, diz a coordenadora do Programa de Manejo de Pesca do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Ana Cláudia Torres. Saíde Barbosa Pereira, técnico de manejo no Instituo, reforça como está sendo o trabalho da Agência de Desenvolvimento Sustentável (ADS), do governo estadual, que tem a atribuição de intermediar os processos de comercialização de produtos sustentáveis. De acordo com ele, pode ser que tenham conhecimento sobre a atividade, mas falta interesse.

Apesar de toda a problemática, a Secretaria de Estado da Produção Rural (Sepror), do governo do Amazonas, acredita que está fazendo a sua parte. Sua assessoria de imprensa informou que por meio da ADS está contribuindo com a garantia do preço de R$ 4,00 para o pescado e que fechou uma parceria com a Frigonorte para a salga de 400 toneladas de pirarucu no município de Maraã. Também disseram ter políticas de acompanhamento e conservação com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) e o Batalhão de Policiamento Ambiental. Para 2017, a Sepror afirmou que está otimista com a possibilidade de inclusão do pirarucu na Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPMBio), do governo federal.

Campanha do pirarucu

Um dos problemas apontados para a desvalorização do pirarucu sustentável é a pesca ilegal, que compete com o trabalhoso processo do manejo. Realizar fiscalização efetivamente, por meio de organizações como as que foram apontadas pela Sepror, traria resultados relevantes. Por conta disso, comunidades do Amazonas lançaram a campanha “Pirarucu, só se for legal”, com apoio do Instituto Mamirauá. Os comunitários realizaram, feiras de venda do pescado no município de Tefé e Alvarães e ainda há mais uma feira, prevista para este mês, em Maraã. Além do Instituto Mamirauá, também a Fundação Amazonas Sustentável (FAS), tem apoiado a realização de feiras no Baixo e Médio Solimões, valorizando o pescado legal e o trabalho das comunidades locais.

Manejo Paumari 

Germano Paumari na pesca de pirarucu de 2016. Foto: Magno de Lima dos Santos/OPAN

O processo do manejo de pirarucu precisa de uma forte organização comunitária para dar certo. Os manejadores devem realizar coletivamente a proteção dos lagos e a contagem para monitoramento da espécie. Para isso, o povo Paumari do rio Tapauá, precisou de uma mudança brusca de atitude em suas comunidades. No processo do manejo, iniciado há quase uma década, decidiram coletivamente parar de pescar por cinco anos visando recuperar o estoque de peixes. André Paumari, da Terra Indígena (TI) Paumari do Lago Paricá e Francisco Paumari da TI do Cuniuá, contaram sobre a trajetória e a transformação que foi conquistada quando apoiavam a pesca experimental do povo Deni do rio Xeruã.

De acordo com Francisco, antes do manejo, eles arrendavam os lagos para pesca em troca de rancho (alimentos), e isso foi acabando com os peixes. Também pegavam bodecos (pirarucus menores que um metro e meio), sem se preocupar. “Hoje a gente pega só um pouquinho e pensa à frente. Pensamos nos filhos e nos netos”, explica. Ele contou que no período de escassez andavam de três a quatro horas para encontrar peixe e agora se passam três horas pescando é peixe para quase toda a comunidade e podem até escolher de que tipo querem comer, tamanha a fartura.

Outra transformação radical foi a melhoria da relação social entre os Paumari no manejo. No início, poucas pessoas participavam das reuniões sobre a atividade e agora são 80 pessoas envolvidas, inclusive as mulheres, que tem contribuído com o preparo das refeições, o registro da pesca por fotos e vídeos e o monitoramento dos dados (peso, tamanho do peixe etc). André Paumari contou que antes as pessoas eram muito divididas, que cada um procurava seu caminho. Com o manejo, se uniram tanto que, refletindo sobre seu território, acreditam hoje que seria melhor terem a demarcação de uma única grande terra e não das três áreas envolvidas no manejo.

As relações fora da terra indígena também são um aspecto central de mudança para os Paumari. Segundo André e Francisco agora eles têm mais atenção da Funai – o que ajuda até na hora de fazer documentos e conseguir aposentadoria –, e dos moradores de Lábrea. Ele destaca que depois do trabalho com o manejo, vão à cidade para fazer compras a um preço melhor que o oferecido pelo regatão e que tem sido respeitados e reconhecidos. “Às vezes a gente até fica envergonhado quando vai à cidade. ‘Rapaz, vocês estão mais famosos que o Neymar’, já disseram uma vez para gente”, contou Francisco.

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Dafne Spolti

dafne@amazonianativa.org.br

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