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Flechas, bordunas e diplomacia

Povos de MT cobram coerência do governo na reação contra PEC 215.

Povos de MT cobram coerência do governo na reação contra PEC 215.

Por: Andreia Fanzeres/OPAN

Delegados de 19 etnias votam uma centena de propostas durante etapa regional em Cuiabá da Conferência Nacional de Política Indigenista. Foto de Andreia Fanzeres/OPAN

Cuiabá, MT – Mais de 100 propostas avalizadas por 350 delegados, entre indígenas, servidores públicos e sociedade civil foram aprovadas durante a Etapa Regional da 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista, realizada entre os dias 14 e 16 de outubro em Cuiabá. O exaustivo trabalho de deliberar sobre as ideias apresentadas nas etapas locais que ocorreram em diversas cidades de Mato Grosso no primeiro semestre de 2015 a partir de seis eixos temáticos diferentes até sua enfim validação em nível regional mobilizou 19 povos indígenas dos 44 que vivem no estado. Eles se debruçaram sobre temas como direitos territoriais, autodeterminação, participação social, direito à consulta, desenvolvimento sustentável, direitos individuais e coletivos, diversidade cultural, pluralidade étnica e direito à memória e à verdade. Mas, no final, tantas questões levantadas resumiram-se em uníssono na enfática rejeição à PEC 215 – sem a qual todo o esforço de ouvir e implementar as propostas de aprimoramento da política indigenista vão por água abaixo.

“Parece que foi montado um circo para os povos indígenas. Ao mesmo tempo em que estamos discutindo a política indigenista, a PEC 215 está sendo votada. Se ela for aprovada, vai jogar todo esse nosso trabalho no ralo”, avalia Isabel Taukane, do povo Bakairi.

De modo inconstitucional, a PEC 215/00 fere os direitos indígenas ao propor a transferência de atribuição para demarcar terras indígenas do poder executivo para o legislativo, além de abrir a possibilidade de arrendamento desses territórios. Ela ainda retrocede de forma escandalosa no campo do reconhecimento da organização social, costumes e tradições dos povos indígenas ao aventar que eles sejam “encaixados” entre diferentes estágios de desenvolvimento e inserção na sociedade, reforçando a lógica de tutela, integração e assimilação cultural, há muito superada no Brasil.

O que o governo vai fazer concretamente para evitar que a PEC 215 entre em vigor, não se sabe. “A ministra Kátia Abreu (PMDB-TO) é anti-indígena, mas é ela quem assessora a presidente. Eu quero saber qual é a posição do governo federal”, exige Jeremias Xavante. Nada mais justo de se questionar, já que a intenção do governo ao convocar a conferência é exatamente discutir a relação do Estado brasileiro com os povos indígenas no Brasil sob o paradigma da Constituição de 1988.

“Fico feliz e extremamente surpreso com o pensamento crítico dos povos indígenas. Vocês precisam estar atentos com a questão da autodeterminação. Preservem seus territórios, suas culturas, para defenderem seus direitos”, recomendou Cesar Augusto Lima do Nascimento, procurador federal especializado da Advocacia Geral da União.

Francisca Navantino, do povo Paresi, cobra criação do Conselho Nacional de Política Indigenista.
Foto de Andreia Fanzeres/OPAN

Para Francisca Navantino, do povo Paresi, o importante não é dominar tantos temas diferentes, mas concentrar esforços naquilo que é essencial. “A conferência serve tão somente para reafirmar os direitos conquistados e as políticas públicas. Não vamos discutir educação, saúde, ações mais específicas agora, mas garantir que o Estado atue de acordo com a Constituição Federal”, afirma Francisca Navantino.

Este é caso da criação, em definitivo, do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI). “A Comissão Nacional de Política Indigenista já cumpriu seus trabalhos. Sempre fazemos agenda e somos barrados, por isso queremos que você nos receba no seu gabinete para cobrarmos a resposta sobre o conselho”, continua Francisca Navantino, dirigindo-se ao deputado federal Ságuas Moraes (PT-MT), que coordena a Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas da Câmara, atualmente com 212 deputados.

“A comissão tem um caráter consultivo, enquanto o conselho teria uma força deliberativa. Nesse sentido é fundamental que existam mecanismos institucionais legítimos e seguros de defesa desses interesses que são também interesses nacionais. Sendo assim, isso é o mínimo que o Estado deve fazer na direção de se efetivar como estado pluricultural que é o que o estado brasileiro é, gostem alguns disso ou não!”, afirma Andrea Jakubaszko, coordenadora do Programa de Direitos Indígenas da OPAN.

Além da pressão para a criação do conselho, os indígenas apresentaram outras missões para a frente parlamentar. “Ela tem que usar a mídia e mostrar para a imprensa a imagem de que a PEC 215 é ruim. A frente também devia reunir as matérias em tramitação no Congresso referentes à questão indígena para que a gente possa acompanhar”, sugere Ronaldo Paresi.

O deputado federal Ságuas Moraes (PT-MT) fala sobre a Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas na Câmara.
Foto de Andreia Fanzeres/OPAN

A resposta do deputado Ságuas Moraes foi contida. “Estaremos recepcionando as demandas para sermos interlocutores. A frente é um espaço de interlocução entre o legislativo e os indígenas”, disse. “Temos que estar constantemente mobilizados. Quem tiver mais organizado e gritar mais na Câmara e no Senado vai levar essa briga”, completou o parlamentar.

Por isso, José Angelo Silveira Nambikwara, mediador das mesas temáticas da etapa regional de Cuiabá, tem clareza quanto ao papel de cada um nesse processo. “Temos um aliado, mas não substitui a nossa luta, que deve ser constante, diária”, diz.

“O estado de Mato Grosso é o berço do indigenismo republicano. Tem sobre os ombros a responsabilidade de rever, atualizar e pensar na relação dos povos com o estado brasileiro e a política indigenista”, afirma Artur Nobre Mendes, vice-presidente da Funai, órgão que, mesmo necessitando de muito apoio político para se fortalecer, divulgou nota contundente sobre os riscos da PEC 215.

Indígenas fazem protesto em importante avenida de Cuiabá contra PEC 215.
Foto de Helena Corozomae

Uma semana depois de lançarem na também conferência uma moção de repúdio dos povos de Mato Grosso à PEC 215, eles e todo o país assistiram à sua aprovação na comissão especial da Câmara dos Deputados, que fechou as portas para a participação dos maiores interessados, os indígenas. Para a proposta entrar em vigor, precisa ainda ser aprovada no plenário da Câmara e do Senado em dois turnos. E isso não vai ser tão fácil. “Vocês estão precipitados com a PEC 215. Eu conheço a realidade dos espíritos. Eu sei que vai dar certo porque a PEC vai dormir, nunca vai acordar”, pressagia o pajé Ezequiel Kithãulu Nambikwara.

A etapa final da 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista vai acontecer entre os dias 15 e 18 de dezembro de 2015 em Brasília.

 * Com a colaboração da indigenista Catiúscia Custódio de Souza (Programa Mato Grosso/OPAN).

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Andreia Fanzeres

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