Um prato sem agrotóxicos, por favor
Lançamento do “Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde”, realizado em Cuiabá e Rondonópolis, no final do mês de julho.
Especial para o Formad
Estima-se que neste ano um número maior que a população de Cuiabá deverá desenvolver algum tipo de câncer no Brasil: 576 mil pessoas, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer José Gomes da Silva (INCA), órgão ligado ao Ministério da Saúde. Desde 2013, o câncer é a segunda causa de morte no país, depois das doenças cardiovasculares. Isso poderia ser diferente. Ao contrário do que se imagina, o câncer é provocado, na maioria das vezes, por agentes externos e, por isso, pode ser prevenido – assunto mais do que pertinente no estado que é campeão nacional no uso e contaminação por agrotóxicos, Mato Grosso.
Esta foi a discussão com maior destaque durante o lançamento do “Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde”, realizado em Cuiabá e Rondonópolis, no final do mês de julho.
A pesquisadora da Unidade Técnica de Alimentação, Nutrição e Câncer do INCA, Maria Eduarda Melo, apresentou o recente posicionamento do Instituto contra os agrotóxicos. Ela disse que essas substâncias possuem ação genotóxica e mutagênica e que algumas podem também enfraquecer o sistema imunológico, facilitando mais ainda as doenças cancerígenas. Diante da grande exposição aos agrotóxicos no Brasil, maior consumidor desses produtos, o risco de adoecer é alto. Ou por intoxicações agudas ou porque as toxinas vão se acumulando no organismo ao longo da vida pelo contato com o veneno. O uso intensivo dos pesticidas, herbicidas e inseticidas contamina diversos recursos vitais, o solo, a água e o ar, as frutas, os legumes e as verduras. Entram nesta conta também os cereais, leites e carnes, além de produtos industrializados feitos a partir de todas essas matérias-primas.
Maria Eduarda Melo contou, ainda, que a exposição aos agrotóxicos pode ocorrer mesmo dentro do útero materno e provocar graves consequências à saúde. “Uma pesquisa realizada durante 54 anos na Califórnia, nos Estados Unidos, comprovou que o risco de desenvolvimento de câncer de mama era quatro vezes maior nas pessoas cujas mães, durante a gravidez, apresentaram elevada concentração de DDT na corrente sanguínea”, contou.
Ela apresentou também resultados de uma pesquisa da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (International Agency for Research on Cancer – IARC), da Organização Mundial de Saúde. São comprovações dos riscos de alguns agrotóxicos específicos ao desenvolvimento de câncer em humanos. O glifosato, um dos mais utilizados no Brasil, e o 2,4-D (que compõe o agente laranja) são apontados como prováveis e possíveis carcinogênicos para humanos. O DDT foi avaliado como provável carcinogênico. Já o lindano, como extremamente carcinogênico para humanos. Maria Eduarda Melo recapitulou que o DDT, proibido no Brasil desde 1995, estava em 100% das amostras de leite materno em Lucas do Rio Verde no ano de 2010, assim como o inseticida lindano, proibido para fins agrícolas há 30 anos, encontrado em 6% delas, conforme pesquisa do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
De acordo com a pesquisadora do INCA, além do risco provocado por cada substância, é preciso considerar que estamos expostos a muitos tipos de agrotóxicos e que é necessário calcular não apenas o efeito isolado disso, mas também a múltipla exposição a diversos agentes e suas possíveis implicações à saúde.
Durante toda a sua fala, a médica e pesquisadora deixou claro que, mesmo diante da contaminação por agrotóxicos e ainda mais por conta desse risco, é preciso comer frutas, verduras e legumes e manter a amamentação com leite materno, pois esses alimentos protegem o organismo do desenvolvimento de câncer.
Dossiê Abrasco e a luta contra os agrotóxicos
O “Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde” foi lançado em Cuiabá pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, junto ao Instituto de Saúde Coletiva da UFMT e à Escola de Saúde Pública, que sediou o evento. Estavam presentes representantes de movimentos sociais, da academia e do poder público.
A pesquisadora em toxicologia do Instituto Nacional de Qualidade em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Karen Friedrich, uma das organizadoras da publicação coproduzida entre a Fiocruz, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e a livraria Expressão Popular, retoma o conteúdo do dossiê de 2012 e acrescenta dados recentes em torno da temática, apresentando o cenário da falta de regulamentação e apontando para as possibilidades da agroecologia. O livro aborda, também, questões sobre segurança alimentar e nutricional, sobre o meio ambiente – colocando em discussão o modelo de desenvolvimento agrário – e inclui saberes populares, cartas de agricultores familiares e populações que sofrem diretamente as consequências do uso de agrotóxicos.
Karen Friedrich foi bastante enfática ao apresentar alguns dados durante a apresentação do livro. De acordo com ela, a segunda parte o dossiê derruba o mito de que é preciso veneno para produzir alimento e matar a fome do mundo. “Esse modelo tem 40, 50 anos e não acabou com a fome do mundo. Na verdade, o que eles estão produzindo não se destina à alimentação humana”, afirmou. “Entre 2002 e 2011, a área agrícola para cana, milho e soja cresceu, enquanto a área plantada de alimentos como arroz, feijão e mandioca, diminuiu”, contou.
A toxicóloga apontou, também, que a partir de 2008 estagnou-se o avanço das terras para produção de monoculturas e que, apesar disso, o consumo de agrotóxicos não parou de crescer, o que comprova a perda de eficiência dos chamados defensivos agrícolas frente à resistência das pragas. Atualmente, a média de consumo de agrotóxicos no Brasil é de 7,3 litros por habitante ao ano. Em Mato Grosso, maior produtor de grãos do país, essa média é de 40 litros.
Karen Friedrich defendeu a agroecologia e a necessidade de mais investimentos para esse modelo de produção. “Existem alternativas. São reais possibilidades de produzir sem veneno”, garante ela.
A técnica da Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional (FASE), Franciléia Paula de Castro, representante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, também reforçou a importância do livro em valorizar a agroecologia. “A agroecologia não é só uma matriz que vai produzir alimento saudável para a população numa lógica de produção e consumo livre de agrotóxicos e de transgênicos, mas um modelo de sociedade que se preocupa com a vida no campo e na cidade”, afirmou. Para ela, o dossiê é um instrumento de luta para a sociedade e para as organizações em suas atuações diversas: saúde, educação, agricultura, meio ambiente.
Franciléia Paula de Castro contou aos presentes um pouco da história da Campanha Contra os Agrotóxicos, criada em 2011, e apresentou suas principais bandeiras: fim da pulverização aérea, banimento dos agrotóxicos proibidos em outros países, fim da isenção fiscal sobre a produção e a comercialização de agrotóxicos; territórios livres de agrotóxicos e transgênicos e água sem agrotóxicos.
Durante o evento, os palestrantes falaram por diversas vezes sobre a necessidade de criação do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara) e sobre a vigilância constante e eficiente de resíduos nos alimentos e na água, atualmente bastante frágil.
O “Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde” pode ser adquirido na livraria Expressão Popular ou baixado do site da Abrasco.
Contatos:
OPAN
(65) 3322-2980
Formad
http://www.formad.org.br
(65) 3359-7640
Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida
http://www.contraosagrotoxicos.org