OPAN

Uma luz sobre Marãiwatsédé

Xavante seguem apontando urgências na saúde. Mas desnutrição reduz significativamente no período.

Por: Andreia Fanzeres/OPAN

São Félix do Araguaia, MT – A paisagem de Marãiwatsédé mudou. Agora, além das casas de alvenaria inspiradas na arquitetura tradicional, inacabadas em seu projeto inicial, postes de luz foram instalados no contorno interno do pátio da aldeia. A energia elétrica era uma antiga reivindicação dos Xavante, principalmente para a escola e o posto de saúde. E, após um mês da instalação dos postes, os interruptores já começaram a funcionar em julho no posto de saúde.

A falta de luz vinha tendo consequências diretas no atendimento à saúde indígena. Sem energia, o Polo Base Marãiwatsédé não tinha como armazenar soro antiofídico nem vacinas, que dependem de refrigeração. A insulina ainda fica guardada em potinhos de alumínio com água. E a água, que depende de um motor à diesel para ser bombeada do poço para as caixas, com frequência não chega ao seu destino porque o equipamento quebra, não ganha manutenção ou carece de combustível.

O consultório odontológico, montado e equipado quando o posto de saúde foi reformado, em janeiro de 2014, recebeu até cadeira de dentista do Programa Brasil Sorridente, do governo federal. Mas, sem luz até julho de 2015, os equipamentos sequer haviam sido testados. A saúde bucal, tema de grande relevância para os povos indígenas, depende em Marãiwatsédé do trabalho manual e da dedicação de profissionais que se prestam ao atendimento no escuro e em condições precárias. Os casos mais dramáticos têm envolvido a necessidade de nebulizadores. A falta do equipamento na aldeia, dizem indígenas e equipes de saúde, foi crucial para a morte de duas crianças este ano. Chegaram a oferecer um aparelhinho de farmácia, que deveria funcionar à base de motor à diesel, e que estragou logo em seguida, dada à sua insuficiência para atender uma população de 850 pessoas.

“Já estamos há mais de um mês para ligar a energia e até agora nada. Tem torneira aberta, está vazando água. Pedi em documento para fazer combate de barata. Cadê esse apoio da Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena]? Temos que pensar no futuro”, diz o cacique Damião Paridzané. “O que vocês estão pedindo é o mínimo, o básico, aquilo que de fato é obrigação da Sesai. Precisamos de um atendimento de saúde de qualidade. Isso tem que ser feito com apoio da comunidade”, disse o procurador da República, Wilson Rocha de Assis, aos Xavante.

O Hospital Regional de Água Boa é um problema à parte. É para lá que os Xavante são levados em casos de internação, a 350 quilômetros da aldeia. De acordo com Assis, do Ministério Público Federal em Barra do Garças, só em 2014, três mulheres Xavante deram à luz no banheiro do hospital porque não foram atendidas. “Sempre que eu vou ao Hospital de Água Boa tem uma criança de Marãiwatsédé”, relata o procurador. Em 2015, segundo dados do Polo Base, uma criança com pneumonia ficou internada, mas o médico a encaminhou de volta à terra indígena dois dias depois. “Ela morreu assim que voltou para a aldeia. Não deviam ter liberado o bebê”, reclama Carolina Rewaptu, tia da criança falecida. “Em maio, acompanhei dois partos no Hospital de Água Boa. Me chamaram na última hora para acompanhar a mãe. Quase que a criança morreu”, lembra Carolina. “Eu fico preocupada com a saúde da mulher. Tem que melhorar. Quando fazem cesariana, as mães precisam ficar mais de três dias se recuperando. Mas os médicos as mandam para a aldeia em 24 horas”, continua.

“Sentimos falta de direitos básicos. Seria melhor se tivéssemos assistência no município de Alto Boa Vista, mas eles sempre se colocam contra a gente”, opina Cosme Rité, diretor da Escola Estadual Indígena de Marãiwatsédé.

Pequenos gestos, grande melhora

Em meio à necessidade urgente de aprimorar a gestão e ampliar o diálogo com os operadores da saúde indígena, Marãiwatsédé já pode contabilizar significativas melhorias no estado geral de saúde de sua população.

Segundo dados do Polo Base Marãiwatsédé, em julho de 2012, em pleno desenrolar do processo de desintrusão da terra indígena, havia cerca de 80 crianças desnutridas. Hoje, das 230 crianças de zero a cinco anos, 15 compõem os casos gravíssimos. Foi uma queda de aproximadamente 80% na desnutrição dentro desta faixa etária em três anos. Obviamente, ainda há muitos casos de crianças com baixo peso, mas as situações mais graves têm sido aplacadas por mudanças importantes nos últimos anos. A equipe de saúde atribui a melhora nos índices ao aumento da oferta de água proveniente de poço artesiano – um dos quais construído em 2014 pela OPAN e que tem fornecido água para escola e posto de saúde durante o dia inteiro por meio de um sistema baseado na captação de energia solar.

Outros fatores que têm contribuído são os encaminhamentos dos casos mais graves para acompanhamento de nutricionista na Casa de Saúde Indígena (Casai) de Barra do Garças e o enriquecimento de roças e quintais. Mais fartos e diversificados, eles se tornam ambiente para acesso livre de crianças às frutas, legumes e verduras de qualidade, representando uma garantia de longo prazo à qualidade de vida das famílias. Essa tem sido uma das mais antigas e relevantes intervenções da OPAN em Marãiwatsédé desde 2009, cujos resultados agora ficam mais perceptíveis também do ponto de vista da saúde. “Isso agora é bem visível. As famílias que cultivam quintais ricos só aparecem aqui no posto em eventualidades. As das casas sem quintal vêm quase todos os dias”, dizem os técnicos de enfermagem.

Para os Xavante de Marãiwatsédé, que vivem uma situação peculiar de falta generalizada de recursos naturais em virtude do desmatamento provocado por 20 anos de invasão em seu território tradicional, outras ações de apoio à alimentação são sempre importantes. Projetos governamentais como o fornecimento do “sopão”, interrompido desde dezembro de 2013, estavam tendo grande êxito na melhoria da nutrição. “As mulheres indígenas é que faziam a comida na cozinha da escola. De manhã serviam o leite, um tipo de mingau. De tarde, o sopão. As crianças estavam melhorando. O resultado era excelente, visível em apenas quatro ou cinco meses”, lembram membros da equipe de saúde. A oferta deste reforço alimentar beneficiava também quem não estava na faixa crítica de desnutrição, mas precisa de uma alimentação mais enriquecida, como gestantes e idosos.

Nos últimos cinco anos, a OPAN tem, entre outras ações, distribuído mudas e sementes de espécies frutíferas do interesse da comunidade de Marãiwatsédé, como coco, pequi, abacaxi, manga, abacate, mangaba, babaçu, murici e macaúba, plantadas próximas às casas. Essas ações têm sido apoiadas por projetos financiados por Manos Unidas, uma organização da Igreja Católica na Espanha para ajuda a países em desenvolvimento. Além disso, o fornecimento de espécies de roça, como feijão, abóbora, cará e outros, tem tido adesão cada vez maior. Com o passar dos anos, a paisagem árida da aldeia em Marãiwatsédé realmente tem ficado mais colorida.

A Coordenação Regional da Funai em Ribeirão Cascalheira informou que recebeu um ofício da Rede Energisa afirmando que já há equipes locais para fazer a ligação de luz dos postes para as residências na aldeia de Marãiwatsédé. Segundo a Funai, o serviço será realizado até o dia 30 de julho de 2015.

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