Encontro de mulheres manejadoras de pirarucu do Amazonas discute a igualdade de gênero na atividade
Representantes de diversos territórios se reuniram para debater pautas de gênero da cadeia produtiva do pirarucu; Encontro integrou a programação comemorativa dos 25 anos de manejo sustentável do peixe
Por Nathália Messina e Maria Cunha/Instituto Juruá
No mês de junho, além do Dia Mundial do Meio Ambiente, também foram iniciadas as celebrações dos 25 anos da implementação do manejo sustentável do pirarucu no Amazonas. São 25 anos de uma história repleta de conquistas significativas, alcançadas por meio do esforço contínuo dos povos das águas, das florestas e seus aliados. As primeiras comemorações foram idealizadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), com o apoio da OPAN, integrantes do Coletivo do Pirarucu.
Em meio a esta jornada histórica, a luta das mulheres manejadoras de pirarucu vem ganhando destaque nos últimos anos, ecoada por suas vozes, mãos e corações. Embora enfrentem desafios de invisibilização de seus trabalhos, o cenário de valorização das mulheres na atividade econômica do manejo do pirarucu está avançando. Uma pesquisa liderada por Carolina Freitas publicada em 2020 revelou que uma comunidade que maneja o pirarucu tem 77% de chance de remunerar as mulheres na pesca; esse número cai para 8% nas comunidades pesqueiras onde não há o manejo.
Outra pesquisa realizada em 2022 pela Associação das Mulheres Agroextrativistas do Médio Juruá (Asmamj), Instituto Juruá e parceiros, aponta que 38% das mulheres e 38% dos homens extrativistas do Médio Juruá discordam completamente da afirmação que ambos os gêneros têm habilidades e capacidades iguais para desenvolverem atividades ligadas ao pescado. Porém, a mesma pesquisa expõe que as mulheres estão expressivamente presentes em quase todos os elos desta cadeia, incluindo a etapa da captura do peixe na água, e mais expressivamente na etapa de beneficiamento do peixe capturado. Ou seja, as mulheres participam ativamente e são habilidosas na pesca, mas ainda não recebem o devido reconhecimento por isso.
Diante desses e outros estudos, a gestão compartilhada dos recursos pesqueiros, com foco no manejo do pirarucu, representa uma importante alavanca para o empoderamento das mulheres nas comunidades tradicionais da Amazônia.
Fortalecendo identidades e redes
No contexto histórico de mais de duas décadas de luta e reconhecimento, o Coletivo do Pirarucu, que reúne diversos perfis e organizações para debater pautas importantes do manejo, formou um grupo de trabalho (GT) em novembro de 2023, denominado “GT Gênero, Juventudes e Intersecções” para dar visibilidade à diversidade no manejo, com foco em mulheres, juventudes e outros grupos sociais invisibilizados.
A primeira ação estratégica articulada pelo GT empenhou esforços no grupo das mulheres, por meio do “Encontro de Mulheres Manejadoras de Pirarucu: Fortalecendo Identidades e Redes“, realizado nos dias 8 e 9 de junho em Manaus, como abertura da 11ª Reunião do Coletivo do Pirarucu, de 10 a 12 de junho, que integrou o “Seminário de Vigilância Comunitária e fiscalização nas áreas de manejo do pirarucu no Amazonas” e culminou nas celebrações dos 25 anos de manejo no Amazonas, de 13 a 14 de junho, tendo a participação das mulheres do início ao fim de todos os eventos.
O evento contou com uma programação que permitiu um intenso processo de aprendizagem, trocas de experiências e criação de vínculos. “Estou muito alimentada de expectativas. Tenho certeza de que as mulheres manejadoras têm um Coletivo que pode olhar para cada uma e ajudar no empoderamento para se criar um futuro que possa trazer valorização para o trabalho de todas nós, mulheres e jovens”, expressou Vânia da Silva de Souza, da Comunidade Japurá, região do Médio Purus.
Além das dinâmicas de integração, acolhimento e promoção da confiança para a oratória e o debate, uma das atividades do Encontro abordou uma metodologia participativa sobre o que é empoderamento e desempoderamento comunitário, que foi adaptada por Ana Luiza Violato Espada, do Serviço Florestal dos Estados Unidos (USFS), para o contexto das mulheres manejadoras de pirarucu. A partir disso, também foi possível identificar quais são as percepções das identidades das mulheres que manejam pirarucu e os papeis de gênero que, na prática, vem sendo atribuídos nesta cadeia.
A palestra da Profª Dra. Edna Alencar (UFPA – Universidade Federal do Pará e IDSM) intitulada “Pescadoras artesanais e a gestão social de recursos pesqueiros na Amazônia: renda, conservação ambiental e resiliência”, também compôs a programação do encontro. Foram apresentados dados sociodemográficos de 192 pescadoras manejadoras, além de outras pesquisas próprias e de especialistas diversos, sobre a invisibilidade histórica do trabalho das mulheres na pesca.
“Estou saindo totalmente alimentada de conhecimento, muito certa de que as mulheres podem fazer muita diferença nos seus territórios e quero repassar para elas que podemos ocupar espaços maiores e nos fortalecer mais,” avalia Kamelice Paumari, da Associação Indígena do Povo das Águas (Aipa), Terra Indígena Paumari do Rio Tapauá.
Próximos passos
Como encaminhamento, o GT seguirá se reunindo mensalmente de forma remota para trabalhar estratégias e ações transversais no âmbito do Coletivo, em busca da equidade de gênero no manejo do pirarucu, tendo como foco inicial a valorização das mulheres e, posteriormente, atuação direcionada para juventudes e outras identidades de gênero.
“Me vejo agora totalmente fortalecida para enfrentar com mais força os desafios que lido no meu território, na minha comunidade e no manejo do pirarucu, por ser uma mulher, praticamente sozinha representando o trabalho feminino dessa cadeia na minha comunidade”, contou Ivaneide Souza Lima, da Comunidade Botafogo, RESEX Baixo Juruá.
O encontro foi organizado pelo Coletivo do Pirarucu, por meio do GT Gênero, Juventudes e Intersecções, e contou com o apoio do Serviço Florestal dos Estados Unidos (USFS) e da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), que já atua no apoio e fortalecimento das cadeias de valor e povos da Amazônia há mais de uma década.