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Brasil diz que está determinado a atuar pelo reconhecimento de comunidades locais na Convenção do Clima

No primeiro dia da COP29, evento paralelo discutiu direito das comunidades locais na expectativa de que esse grupo conquiste voz e espaço até a COP30, em Belém.

Por Andreia Fanzeres/OPAN

Representante do Ministério das Relações Exteriores, Marco Túlio Cabral, no evento paralelo sobre o direito das comunidades locais, na COP29. Foto: Gustavo Silveira/OPAN

Baku, Azerbaijão e Cuiabá, Brasil – No primeiro dia da COP29, o governo do Brasil se comprometeu a tomar as medidas necessárias para reconhecer as comunidades locais na Convenção do Clima. Foi durante o evento paralelo “Desafios e oportunidades para o reconhecimento de comunidades locais na UNFCCC”, realizado pela Rede Mexicana de Organizações Camponesas Florestais (Red Mocaf) e pela Operação Amazônia Nativa (OPAN), com apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Aliança Mesoamericana de Povos e Florestas (AMPB), Associação Florestal Comunitária da Guatemala Utz Che’ e Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad).

Para o governo brasileiro, existe uma lacuna de implementação dos direitos das comunidades locais na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). “Este é um tema muito bem caracterizado, a importância e a necessidade de um espaço para as comunidades locais já foi algo tratado na Agenda 21, na Rio 92, está também no texto da CDB [Convenção da Diversidade Biológica] e no regime do clima, primeiro por decisões da COP, no Acordo de Paris e na Plataforma [de Comunidades Locais e Povos Indígenas – LCIPP] há vários anos. Todo terreno está preparado para isso, mas falta concretizar essa participação. Nós, como governo federal brasileiro e futura presidência da COP, estamos receptivos a isso e achamos que isso deve acontecer”, afirmou Marco Túlio Cabral, da Secretaria de Clima e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores.

Em contextos diferentes do brasileiro, o reconhecimento das comunidades locais em acordos internacionais como as Salvaguardas de Cancún, que definem o modo como povos indígenas e comunidades locais devem ser abordadas por projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD+), já têm tido efeito positivo para coletividades diferentes dos povos indígenas que gerem territórios, como lembrou Gustavo Sánchez, presidente da Red Mocaf.

Gustavo Sánchez discursando ao lado de representantes do governo e da sociedade civil.


Segundo ele, o termo “comunidades locais” também tem sido importante para proteger coletividades e etnicidades nativas oprimidas em países que não reconhecem os povos indígenas. Para Sanchéz, que insistentemente tem buscado nas últimas edições das COPs sensibilizar governos e membros da LCIPP sobre os mecanismos de sua participação plena e efetiva neste órgão constituinte da Convenção, durante anos várias organizações não governamentais, acadêmicos e representantes das comunidades elaboraram uma proposta baseada em quatro critérios para o reconhecimento e autorreconhecimento das comunidades locais. O primeiro requisito é de que são grupos que reúnem uma história e cultura em comum. Seus componentes são também reconhecidos por suas próprias comunidades, têm uma relação com o território, que manejam de modo coletivo, e mecanismo próprio de governança e representatividade. “Esses quatro critérios podem ser úteis como um ponto de partida para adoção de algum acordo nesses espaços”, reitera.

Para Selma Dealdina Mbaye, secretária-executiva da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), a participação das comunidades tradicionais na UNFCCC é uma questão de reparação histórica. “As pessoas consideradas comunidades tradicionais no Brasil têm ligação com ancestralidade, terra, sabem lidar com aquele espaço. Fazendeiro no Brasil não é povo tradicional. Alguns países têm dificuldade nesse entendimento. Esse debate precisa entrar na UNFCCC e precisa ser internalizado”, afirma. Ela explicou que há 28 anos a Conaq luta pela titulação dos territórios quilombolas para mais de um 1,5 milhão de pessoas que se autodeclaram quilombolas, com mais de 7 mil quilombos em 24 estados do Brasil. “A titulação precisa acontecer porque as pessoas estão morrendo, estão sendo executadas por lutarem por suas terras”.

Selma Mbaye fala sobre a importância das comunidades tradicionais do Brasil. Foto: Andrea Rodríguez.

Nesse sentido, Cabral, do Itamaraty, ressaltou que há vulnerabilidades específicas das comunidades locais no contexto da adaptação climática, por sofrerem desvantagens econômicas, discriminação e impactos mais diretos nas áreas rurais. “Essas comunidades têm muito a contribuir com a luta contra as mudanças do clima, pois ocupam territórios importantes dos vários pontos de vista, inclusive como estoques e sumidouros de carbono, florestas importantes para a biodiversidade, portanto todas essas são razões muito boas para que este tema seja objeto de ação específica. Como presidência da COP estamos prontos para trabalhar para que isso se torne uma realidade”. Selma, da Conaq, acrescentou que sem as comunidades tradicionais protegendo os biomas como Pantanal, Pampa e Cerrado não haverá proteção da Amazônia.

COP30

A expectativa de que na COP30 haja de fato uma decisão contundente com relação ao reconhecimento das comunidades locais na Convenção do Clima deverá vir em meio a uma grande articulação popular, sobre cuja organização falou Cleidiane Vieira, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e que faz parte do Operativo Nacional da Cúpula dos Povos rumo à COP30. “Sou de Belém, então desde agora já dou as boas vindas para vocês. Estamos a um ano da COP com muitas expectativas. Nosso desafio é o de convergir interesses e diversidades envolvendo vários povos para que possamos avançar nas pautas que melhorem as condições de vida do nosso povo para continuarem protegendo e vivendo em seus territórios”.

Para ela, é hora de o Brasil assumir o seu papel. “A luta pelo clima precisa dar um salto organizativo no mundo inteiro e talvez tenha que começar pelo Brasil. É importante fazer a COP em países democráticos para avançarmos nas nossas bandeiras. Belém será um grande espaço, queremos que o povo do Brasil e do mundo tenha voz e vez”, disse Cleidiane, do MAB. “Esperamos todos vocês para construir uma COP democrática, diferenciada. Tenho certeza de que a COP30 vai marcar o antes e o depois”, acrescenta Selma, da Conaq.

Vivian Marycruz Villegas Rivas, representante do vice-ministro de Recursos Naturais e de Mudanças Climáticas do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais da Guatemala, apresentou seu país como aliado nas negociações climáticas em defesa do reconhecimento das comunidades locais. “Um dos aspectos mais importantes para que as comunidades locais tenham voz e espaço é o fortalecimento da governança institucional. Realmente queremos que as comunidades locais tenham voz e voto nas negociações internacionais. Importante fortalecer estruturas locais para que elas possam ser parte das delegações, acompanhar os negociadores em temas chave”, reforçou, citando a presença crescente de representantes das comunidades locais na construção de políticas públicas e na articulação internacional guatemalteca.

Selvyn Perez, representante da Asociación Utz Che’, da Guatemala, e tesoureiro da Junta Diretora da Aliança Mesoamericana de Povos e Bosques (AMPB), fez um apelo para que, nesta discussão, haja sobretudo solidariedade. “Este é um princípio básico. Creem que as comunidades locais podem competir por financiamento, o que é mentira. A resposta que está nascendo é que é importante fazermos mais intercâmbios de experiências, termos o diálogo aberto e é importante esse diálogo sobre conceituação das comunidades locais, rompendo paradigmas e visões extremas, como os que acreditam que não se pode permitir que este grupo entre no sistema porque pode violentar direitos ou pode canalizar ou roubar seus recursos”, apelou Perez.

Selvyn Perez defende a solidariedade perante povos e comunidades locais. Foto: Andrea Rodríguez

Ao lembrar do recente reconhecimento dos afrodescendentes em Cali, na CDB, Selma, da Conaq, situou sua frustração de não ver quórum entre as Partes quando a discussão foi financiamento. Sánchez, da Red Mocaf, também pontuou os grandes desafios dessa agenda de incidência não apenas na UNFCCC mas em outros espaços internacionais, em busca de realizar diálogos importantes. “Não é fácil manter a incidência simultânea realizando ao mesmo tempo a nossa agenda nos territórios”.

“Esperamos que este evento tenha servido para esclarecer quem são as comunidades locais, sua relevância e que o reconhecimento de seus direitos não tira o direito de ninguém, pelo contrário, quanto mais comunidades têm seus direitos reconhecidos, mais seguros se tornam seus territórios”, finalizou Sánchez, da Red Mocaf.

De acordo com Cabral, estão sendo estudados processos, como a inclusão do tema em uma nova decisão da COP ou se bastam trâmites administrativos junto ao secretariado da UNFCCC no caso da participação de comunidades locais na Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (LCIPP), que atualmente tem sete membros dos governos e sete membros indígenas. “Estamos determinados a fazer o que for necessário e faremos”, garantiu o negociador brasileiro.

Para rever o evento paralelo acesse o Youtube da OPAN e a cobertura do primeiro dia da COP29 feita pela equipe de comunicação do Instituto Centro de Vida (ICV).