Seca no Amazonas e COP 30: desafios e oportunidades para o manejo do pirarucu
Relatos dos impactos do segundo ano consecutivo de seca extrema no Amazonas e estratégias para incidência na COP 30 foram temas centrais da 12ª Reunião do Coletivo do Pirarucu
Relatos dos impactos do segundo ano consecutivo de seca extrema no Amazonas e estratégias para incidência na COP 30 foram temas centrais da 12ª Reunião do Coletivo do Pirarucu
A seca extrema que atingiu o Amazonas pelo segundo ano consecutivo tem imposto grandes desafios aos manejadores e manejadoras de pirarucu, afetando diretamente a pesca e as atividades de monitoramento. Enquanto as comunidades lidam com esses impactos na rotina, afetando a renda e a segurança alimentar, cresce a expectativa em torno da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), que acontecerá em Belém (PA), em novembro de 2025.
Diante desse cenário, mais de 100 representantes de 22 organizações se reuniram em Manaus, durante o mês de dezembro, para a 12ª Reunião do Coletivo do Pirarucu. O encontro teve como foco o fortalecimento de estratégias de adaptação climática e a construção de uma agenda de incidência para a COP 30, ampliando a voz das comunidades na luta pela conservação dos territórios e pelo manejo sustentável do pirarucu.

“Os eventos relacionados às mudanças climáticas serão mais recorrentes e os desequilíbrios na distribuição de chuvas, mudanças de correntes marítimas e de ventos têm causado cenários como a forte seca no Amazonas”, avalia James Bessa, analista ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que participou do evento.
Impactos da seca na pesca do pirarucu
A primeira pauta da reunião do grupo foram os relatos da pesca de 2024 e como as comunidades sentiram os impactos da seca nos diferentes territórios. Francisco Paumari, coordenador de manejo na Associação Indígena do Povo das Águas (AIPA), contou os desafios enfrentados pelo povo Paumari, que há mais de uma década realiza o manejo do pirarucu no rio Tapauá.
“Nós tivemos uma grande dificuldade para fechar a cota em 2023 e 2024. Este ano, devido à seca, pescamos em um período que nunca tínhamos pescado. Também tivemos que buscar novas parcerias para a comercialização devido a falta de água no rio, que dificultou a navegação e nos impediu de levar o peixe até o frigorífico em Manacapuru”, conta Francisco.

A escassez de água elevou os custos da pesca e dificultou a contagem dos peixes. Além disso, o preço do pirarucu segue estagnado, tornando a comercialização desafiadora. Iniciativas como a marca coletiva Gosto da Amazônia, sob gestão da Associação dos Produtores Rurais de Carauari (Asproc), e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do governo federal, ajudam a mitigar os impactos, mas ainda em pequena escala.
Entre as soluções discutidas estão o acesso a tecnologias para evisceração, a modernização da frota de barcos e a criação de um seguro climático para as comunidades manejadoras. “Como manejadores precisamos discutir e incidir nesse tema. Não sabemos se vai ter cheia e como será a seca do ano que vem”, reflete Pedro Canízio, presidente da Federação dos Manejadores e Manejadoras de Pirarucu de Mamirauá (Femapam).
COP 30: possibilidades de incidência
Pela primeira vez o Coletivo do Pirarucu discute sua possível participação em uma conferência do clima. Durante o encontro, Andreia Fanzeres, coordenadora do Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade (PDI) da Operação Amazônia Nativa (OPAN), apresentou o cenário das políticas climáticas e destacou oportunidades de participação na COP 30.

Ela ressaltou a importância do reconhecimento das comunidades locais e sua inclusão nas decisões globais, além da necessidade de acompanhar as metas climáticas definidas para 2050. “A sociedade civil pode atuar nos eventos paralelos, que ocorrem dentro do Espaço Azul e na Cúpula dos Povos, um espaço essencial para articulação e visibilidade das demandas locais”, explica Andreia.
O protagonismo das mulheres no manejo
A participação feminina no manejo do pirarucu tem ganhado espaço nos encontros do Coletivo, com debates sobre maior representatividade das mulheres em instâncias políticas e iniciativas para dar visibilidade ao seu trabalho. Para fortalecer essa pauta, foi criado em novembro de 2023 o Grupo de Trabalho (GT) Gênero, Juventude e Interseccionalidades, responsável por articular ações do Coletivo voltadas à equidade no setor.

Durante a reunião, uma mesa composta por manejadoras representando diferentes organizações como a AIPA, a Associação dos Moradores Agroextrativistas do Baixo-Médio Juruá (AMAB) e Associação das Mulheres Agroextrativistas do Médio Juruá (ASMAMJ), além da pesquisadora Edna Alencar (UFPA/IDSM), discutiu estratégias para ampliar a participação política das mulheres.
O encontro também trouxe relatos de iniciativas já em andamento, como a experiência do Amanã, compartilhada por Brenda Meireles, analista do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM). “No Amanã, reconhecemos os manejadores que se destacaram ao longo do ano, e um dos prêmios é o Prêmio Edna Alencar, dedicado às mulheres que fizeram a diferença na atividade”, explicou Brenda.
Diálogos com o poder público
Representantes de diversos órgãos, como Ibama, Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), além de instituições estaduais como a Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amazonas (SEMA/AM) e o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), marcaram presença no evento. Durante o encontro, compartilharam informações sobre políticas públicas voltadas ao manejo sustentável do pirarucu e ouviram as demandas dos manejadores e manejadoras presentes.

Entre os temas debatidos, destacaram-se a Estratégia Nacional de Bioeconomia — parte do Plano Nacional de Bioeconomia —, a Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPMBio), a subvenção estadual do pirarucu e o apoio a ações de vigilância territorial.
Filme sobre o manejo conquista prêmio na Itália
O filme “Pirarucu, o respiro da Amazônia”, dirigido por Carolina Fernandes e produzido pela Banksia Films, foi duplamente premiado no 38º Sondrio International Documentary Film Festival, na Itália. Além de receber uma menção honrosa do júri, a produção conquistou o prêmio Special Award Renata Viviani, no valor de 1.500 euros. Em um gesto de reconhecimento, a equipe do filme esteve presente no encerramento do encontro e doou esse valor ao Coletivo do Pirarucu.

“Nós acabamos de chegar do festival Sondrio, na Itália, e lá nós fomos duplamente premiados com o filme. Vocês são os maiores merecedores e os responsáveis por esse prêmio”, destacou Carolina Fernandes ao anunciar a doação. A entrega simbólica foi feita a José Alves (Silas) e Ivaneide Souza, que representaram o Coletivo durante o evento. A conquista celebra não apenas o talento do cinema amazônico, mas também o compromisso dos povos tradicionais com a preservação da floresta e de seus recursos naturais.