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A luta indígena nas COPs: um caminho árduo, mas consistente

Em mesa redonda durante o 1º Encontro Nacional de Comunicação Indígena, a Ministra Sônia Guajajara destacou as conquistas históricas dos povos indígenas nas COPs

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Participar das negociações da Conferência das Partes (COP) é um desafio. O acesso aos espaços oficiais é restrito a chefes de Estado, ministros, diplomatas e organizações observadoras. Apesar disso, ano após ano, os povos indígenas têm marcado presença, encontrando caminhos para acessar essas discussões em uma porta que, com o tempo, tem se ampliado.

Embora sem direito a voto nas negociações formais, como toda a sociedade civil, os povos indígenas têm lutado na Convenção do Clima por reconhecimento e ações efetivas contra a crise climática. Ao longo dos anos, sua incidência resultou em avanços significativos, ainda que lentos, moldando as expectativas para a próxima Conferência das Partes, a COP30, a ser realizada em Belém, no Brasil.

Conquistas históricas e reconhecimento

Entre 2009 e 2015, intensas discussões com a Coalizão de Organizações Ambientais Indígenas da América Latina e do Caribe (COICA) culminaram no reconhecimento dos saberes dos povos indígenas e comunidades locais como conhecimento científico pelas Nações Unidas no Acordo de Paris, conforme relembra a ministra Sonia Guajajara, que participou da mesa “Participação Indígena em Espaços Internacionais de Negociação Climática” no 1º Encontro Nacional de Comunicação Indígena, em Belém.

Foto: José Rui Gavião

“Os povos indígenas foram reconhecidos como parte fundamental para enfrentar a emergência climática. Depois, seguiram as conversas, que não acontecem só na COP. Em seguida, foi decidido que tinha que ter uma plataforma para discutir isso. Essa plataforma se reúne na Alemanha, em Bonn, e o movimento indígena tem representações, são sete regiões culturais do mundo”, explicou a ministra, em referência à Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (LCIPP).

No evento, Sonia Guajajara apresentou um panorama das conquistas dos povos indígenas, lembrando que em 2015 a Declaração dos Direitos Humanos consolidou o reconhecimento desses povos como uma alternativa fundamental para enfrentar as mudanças climáticas.

A ministra ainda enfatizou que a participação indígena nas COPs tem crescido: em 2019, em Madri, houve uma grande representação, e em Dubai (COP28), cerca de 350 indígenas estiveram presentes. No entanto, a disparidade numérica em relação aos representantes das grandes corporações, com uma proporção de um indígena para sete lobistas, destaca a necessidade de ampliar essa presença.

Desafios e expectativas para a COP30

Para Sonia Guajajara, a COP30 em Belém representa uma oportunidade para que o Brasil sedie a maior e melhor participação indígena em uma conferência climática. Nesse sentido, superar o número de participantes de Dubai é um objetivo crucial, buscando uma representação que vá além da quantidade e garanta uma presença de qualidade, com participação ativa e comunicação efetiva em todos os espaços, incluindo a zona azul, que é o espaço das negociações entre os países, a zona verde, um espaço aberto a todos, e eventos paralelos.

Na avaliação da ministra, um dos principais gargalos nas negociações é o financiamento climático. “Apenas uma pequena fração dos recursos anunciados pelos países chega efetivamente aos países e, desse montante, uma parcela ainda menor alcança diretamente as organizações indígenas”.

“A burocracia e a intermediação por agências dificultam o fluxo financeiro, que muitas vezes não chega na totalidade ou é direcionado de forma inadequada. A luta por um financiamento direto e acessível é uma pauta central para a COP30”, acrescentou a ministra.

No âmbito das políticas nacionais, a inclusão de termos como “proteger a floresta” nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) do Brasil é um avanço, segundo Sonia Guajajara. No entanto, a expectativa é que o Brasil abra sua NDC para incorporar propostas indígenas, como a demarcação de terras indígenas, a proteção territorial e o Plano Nacional de Energia (PNE), como medidas de mitigação eficazes.

A comprovação de que a retirada de invasores de territórios indígenas, realizada pelo MPI e outros órgãos, contribuiu para a diminuição do desmatamento e reforça a importância dessas ações para o cumprimento das metas de redução da poluição.

“O que propomos, quando se fala de política de mitigação, são três medidas: incluir demarcação de terras indígenas, proteção territorial e a PNGATI [Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas]. Terra indígena não está reconhecida como medida de mitigação. Nessas operações feitas pelo MPI se comprovou que com a retirada desses invasores contribuiu para diminuição do desmatamento”, enfatizou a ministra.

O cenário geopolítico e a comunicação

Na avaliação da ministra, a geopolítica global e o negacionismo climático representam ameaças significativas. A dificuldade dos países ricos em cumprir seus compromissos climáticos, o direcionamento de recursos para guerras em vez de ações climáticas e a ascensão de discursos negacionistas e de ódio, amplificados por fake news, também criam um ambiente desafiador.

Nesse sentido, combater a desinformação e fortalecer a comunicação são pilares para garantir que as conquistas dos povos indígenas sejam reconhecidas e valorizadas pela sociedade em geral. Além disso, reforça que é preciso mostrar à população o valor das lutas e dos avanços obtidos, assegurando que deputados e representantes eleitos respeitem os direitos indígenas.

As conquistas nas COPs demonstram a resiliência e a importância dos povos indígenas na luta contra a crise climática. Já a COP30 em Belém surge como uma oportunidade para consolidar esses avanços, pressionar por financiamentos mais justos, fortalecer a representatividade política e combater o negacionismo, garantindo que as vozes e os conhecimentos ancestrais sejam centrais nas soluções para o futuro do planeta.