OPAN

Mudança climática e a percepção indígena (2ª ed.)

.

A Operação Amazônia Nativa (OPAN), com quase cinco décadas de atuação no campo do indigenismo, contribuiu de forma relevante para a promoção e garantia dos direitos indígenas no Brasil. Em meio às mudanças locais e globais, suas ações e estratégias estão pautadas no apoio à demarcação e proteção de territórios tradicionais desde a década de 60, e mais recentemente, facilitando a implementação da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em Terras Indígenas (PNGATI) nos estados de Mato Grosso e do Amazonas.

Consideradas áreas prioritárias para a conservação da sociobiodiversidade, os territórios indígenas tornaram-se ilhas de resiliência expostas aos efeitos negativos dos modelos de ocupação do entorno, baseados na geração de energia a partir de numerosos empreendimentos hidrelétricos e no agronegócio. Ainda assim, resistem culturas que conservam a biodiversidade como estratégia não apenas de sobrevivência, mas de garantia de um futuro com qualidade de vida, numa lógica bem diferente da mercantilização da natureza.

Nossas ações também estão no âmbito das agendas políticas, com representantes da sociedade civil em comitês, fóruns e conselhos, e no monitoramento do desenvolvimento de obras de infraestrutura governamentais e seus efeitos sobre as áreas protegidas, assim como nas discussões sobre mudanças climáticas em níveis regionais, que provocaram, por exemplo, a atualização do calendário sazonal do povo Manoki. O monitoramento dos territórios, com atividades de expedições terrestres e fluviais, ajuda a produzir dados in loco das mudanças de paisagem, recursos e clima que estão afetando os territórios indígenas.

Entendemos, assim, que a partir da nossa estratégia institucional de atuar pela defesa e gestão dos territórios indígenas, esses espaços articulam dimensões humanas e não humanas, contribuindo para a conservação da dinâmica dos ecossistemas e para a proteção dos locais sagrados correlacionados. Cada povo determina seu modelo de gestão, faz suas análises e interpretações acerca das mudanças observadas no mundo.

Por esta razão, o livro “Mudanças climáticas e a perspectiva indígena” foi elaborado. Nesta segunda edição, mais dois textos de autoria indígena e uma reflexão sobre instrumentos de monitoramento climático foram incorporados. Ele cumpre seu papel de registrar as diferentes visões dos indígenas sobre seus territórios, seu modo de vida e o clima. Sem a pretensão de mapear as alterações climáticas pelo vasto universo indígena, esta publicação reúne percepções do que vem mudando no cotidiano dos povos e de como enfrentar esses desafios a partir de uma ótica holística que se encaixa perfeitamente dentro dos principais pleitos indígenas apresentados em fóruns internacionais, como a própria Organização das Nações Unidas (ONU).

Nos textos aqui publicados, os indígenas não discorrem sobre os compromissos dos estados nacionais mais ou menos ousados com relação às metas de emissões, não opinam quanto à subida de dois, três ou quatro graus na temperatura média do planeta, não falam de créditos de carbono, mecanismos de desenvolvimento limpo e nenhum dos jargões climáticos usados nas mesas de negociação internacionais, e que invadem o noticiário sem conseguir expressar qualquer concretude. Eles, por sua vez, demonstram quão rapidamente suas vidas têm mudado por influência dos não indígenas, como animais, plantas e rios têm respondido a todas as pressões, e que não será apenas uma canetada que impedirá maiores impactos.

Para que grandes alterações ocorram – grandes como o desafio de reverter a guinada climática mundial – os indígenas enxergam mais longe. E o modelo de desenvolvimento escolhido pelos países é o que precisa mudar. As soluções devem ser reais e não paliativas. Qualquer decisão tem que ser precedida do respeito aos direitos humanos, territoriais e à participação. O conhecimento tradicional deve ser reconhecido, assim como seu papel na construção de soluções para mitigação e adaptação, com acesso aos mecanismos financeiros e de formação. Dialogar com os indígenas tem a ver com observar outras referências, outros valores. Qualquer proposta que não contemple tais elementos terá sido apenas mera diplomacia.

Boa leitura!


. Mudança climática e a percepção indígena (2ª ed.).2018