Uma nova COIAB
Povos indígenas de toda a Amazônia Legal reúnem-se pela primeira vez em Mato Grosso para a 10ª Assembleia Geral da entidade.
Por: Ximena Morales Leiva*
Cuiabá, MT– Nos últimos anos, o movimento indígena tem mobilizado esforços para frear as iniciativas que violam direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988. O pacote de desmonte do arcabouço legal indígena inclui a inconstitucional PEC 215/00, a Portaria 303 da Advocacia Geral da União (AGU) e PLP 227, entre dezenas de outros projetos além das ameaças envolvidas com a tramitação do Novo Código da Mineração. É nesse contexto político delicado que mais de 300 líderes indígenas da Amazônia Legal vão se reunir na Terra Indígena Umutina, no município de Barra do Bugres (MT) entre 26 e 29 de agosto de 2013 para a 10ª Assembleia Geral Ordinária da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).
Esta é a primeira vez que a Assembleia, realizada a cada quatro anos, ocorre em solo mato-grossense. Será uma oportunidade de aproximar a COIAB e fortalecer os movimentos indígenas de Mato Grosso, o terceiro estado do país em diversidade étnica. “Esta Assembleia ocorrerá no estado que mais sofre com o avanço do agronegócio e chega para fortalecer o relacionamento da COIAB com os povos mato-grossenses e aglutinar forças”, analisa Sonia Guajajara, vice coordenadora da COIAB. Os dois primeiros dias de encontro serão dedicados a um grande encontro de lideranças indígenas do estado de Mato Grosso, algo que há muito tempo não acontece.
À frente da vice coordenação da entidade nos últimos quatro anos, Sonia tem sido uma das potentes vozes indígenas, tanto no Brasil como no exterior, cuja luta pelo direito à terra enfrenta a expansão do agronegócio, que transforma a Amazônia em pastagens e lavouras. “Não temos outro caminho a percorrer. Somente por meio da pressão e da mobilização em nível local, regional e nacional daremos visibilidade à nossa luta contra o avanço do agronegócio em nossas terras ancestrais”, enfatiza Sonia.
Dessa forma, a COIAB mirou no Congresso Nacional, de onde emanam as forças mais ferrenhas contra os indígenas, mas também não descuidou da Presidência da República. E as articulações com deputados, senadores e partidos que estão do lado do movimento indígena têm surtido efeito. Na avaliação de Sonia, é significativa a adesão de alguns parlamentares para fazer frente aos ruralistas. E, ao que tudo indica, os resultados começaram a aparecer.
Depois da maciça presença indígena no Congresso Nacional durante a Semana do Índio, em abril deste ano, quando eles conseguiram pelo menos adiar a instalação da comissão especial da PEC-215 (proposta que pretende retirar do Executivo e passar ao Legislativo a atribuição de demarcar terras indígenas, unidades de conservação e territórios quilombolas) um grupo de deputados criou um GT Paritário, que vem promovendo em Brasília uma série de debates sobre os direitos indígenas e as medidas legislativas consideradas inconstitucionais.
A presidente Dilma Rousseff, depois de dois anos e meio de governo, enfim se dispôs a um encontro com algumas lideranças indígenas no dia 10 de junho, em Brasília. A imagem do governo diante dos indígenas poderia ter melhorado, mas naquele mesmo dia o Executivo não tomou nenhuma providência para impedir que o PLP 227 fosse aprovado na Comissão de Agricultura e, ainda, encaminhado com pedido de urgência. O projeto, permite que todas as ocupações não indígenas feitas antes de outubro de 1988 sejam legitimadas, contrariando o que diz a própria Constituição, que considera nulos esses títulos. Além disso, o projeto permite que assentamentos de reforma agrária sejam feitos dentro de terras indígenas.
Nesse cenário, o governo tem respondido com pressa à regulamentação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que sacramenta o direito à consulta livre, prévia e informada, porém sem admitir que uma eventual negativa dos indígenas diante do impacto de empreendimentos possa evitar sua implantação. Recentemente, a presidente determinou a instituição da Mesa de Diálogo com os Povos Indígenasdurante a reunião da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), realizada no Ministério da Justiça em 22 de agosto, que contou com a presença de cerca de 40 líderes e dos ministros José Eduardo Cardozo (Justiça), Gilberto Carvalho, José Elito (Gabinete de Segurança Institucional) e Izabella Teixeira (Meio Ambiente).
No entanto, ainda não foram tomadas medidas concretas a favor dos indígenas, como a revogação da Portaria 303 pela própria AGU, antes de sua apreciação pelo Supremo Tribunal Federal. Enquanto isso, no dia 21 de agosto, quando foi anunciada a instalação da comissão especial da PEC 215/00 para o dia 4 de setembro, os deputados da Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA) pediram ao governo federal uma posição mais firme em relação à demarcação de terras indígenas. Depois dessa reunião, o coordenador da FPA, deputado Luís Carlos Heinze (PP-RS), declarou que na próxima semana as principais entidades do agronegócio irão traçar novas estratégias e endurecer na pressão contra as demarcações.
Pauta da reestruturação
Fundada em 1989 com o intuito de garantir que os direitos sociais, políticos e territoriais dos indígenas estabelecidos pela Constituição Federal fossem implementados, a COIAB é a maior organização indígena do Brasil e hoje se vê às voltas para que essas conquistas não fiquem no passado. Para isso, internamente, tem avaliado ser importante estabelecer uma nova estrutura organizacional para que a entidade descentralize forças e reflita, cada vez mais, sobre a diversidade de visões dos povos que representa.
Por isso, esta Assembleia discutirá a reestruturação organizacional da entidade. Atualmente, a COIAB é formada pelo Conselho Deliberativo e Fiscal (CONDEF), órgão consultivo e deliberativo e pela coordenação executiva, composta por um coordenador geral, um vice, um secretário e um tesoureiro, além de cerca de 100 delegados e 75 organizações indígenas dos nove estados da Amazônia Legal.
A proposta que irá para votação na Terra Indígena Umutina na próxima semana baseia-se no princípio de que cada estado da Amazônia Legal (Amazonas, Acre, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins) tenha um representante na coordenação executiva da COIAB. Dessa forma, eles poderão assumir maior responsabilidade e participação na execução das ações e na tomada de decisão.
“No fundo, o que está sendo proposto é que a informação sobre o que ocorre no cenário político indígena e indigenista nacional chegue mais rápido às aldeias dos nove estados da Amazônia para que as pessoas saibam o perigo que estamos correndo. Dessa forma, a figura de um representante estadual pode fortalecer o debate interno nos povos e, assim, podemos aumentar nossa mobilização, fazer mais e mais pressão em Brasília e junto aos governos locais”, acrescenta Sonia. Outra deliberação que os delegados da COIAB terão de votar na Assembleia diz respeito à mudança da sede de Manaus para Brasília.
Organizações socioambientais e indigenistas foram convidadas para participar da Assembleia Geral de 2013, além de representantes dos governos estadual e federal. O vice-governador de Mato Grosso, Chico Daltro, a presidente da Funai, Maria Augusta Assirati, e procuradores do Ministério Público Federal em MT deverão comparecer ao evento.
“Em meio ao atual tumulto da política indigenista, percebemos que o movimento indígena tem sido assertivo em manifestar sua posição, que precisa ser respeitada. Os índios têm direito ao futuro. E o Brasil tem que se desenvolver levando em conta suas matrizes étnicas e suas tradições ancestrais”, avalia a coordenadora do Programa de Direitos Indígenas da OPAN, Andrea Jakubaszko.
Estevão Taukane, liderança do povo Bakairi, espera que a COAIB alcance seus objetivos nesta Assembleia. “Quero ver o renascimento de uma organização indígena democrática e plural que possa discutir a diversidade com todas as etnias. Temos de construir a nossa própria autonomia. O processo, no entanto, é lento, mas está acontecendo”, avalia Taukane.
* Colaborou Andreia Fanzeres.
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