Povo Paumari cria regras para pesca
Sistema de pontuação foi criado para dividir os lucros da pesca manejada.
Sistema de pontuação foi criado para dividir os lucros da pesca manejada.
Por: Carla Ninos/OPAN
Lábrea, AM – Depois da experiência do primeiro ano de pesca manejada do pirarucu nas terras indígenas Paumari do rio Tapauá, em 2013, atividade do projeto Raízes do Purus, realizado pela OPAN com o patrocínio da Petrobras, cinquenta representantes de todas as aldeias voltaram a se reunir em assembleia, entre os dias 18 e 20 de julho, para estabelecerem as regras da segunda despesca, que será realizada no próximo mês de setembro.
Para isso, os indígenas elaboraram um regimento interno, abrangendo orientações para a pesca manejada, vigilância dos lagos de reserva, destinados à conservação, do processo de contagem dos pirarucus dos lagos onde será feita a pesca, além de regras para equipes de trabalho e divisão de lucros.
“Para nós, esse regimento interno nada mais é do que o conjunto de leis dos Paumari que visam, principalmente, a pesca manejada”, explica o professor da TI Paumari do Lago Manissuã, Germano Paumari.
“O regimento interno fortalece o povo e como eles querem agir como grupo. Esse documento vai ser muito importante para mostrar a parceiros como Funai, Ibama, Instituto Piagaçu e outros, como os Paumari estão se organizando para as próximas pescas”, explica o indigenista da OPAN, Vinicius Benites.
Os Paumari são um povo da água, pela própria característica de várzea das terras indígenas, compostas por 196 lagos e vários igarapés da bacia do rio Tapauá e praias.
A grande maioria das casas é construída sobre flutuantes, feitos com toras de madeira da floresta, e a alimentação é à base de peixe e de caça. Eles convivem com populações vizinhas como ribeirinhos da Foz do rio Tapauá e do rio Camaruã, comerciantes e pesqueiros de várias cidades do Amazonas. Por causa da pressão externa sobre os recursos naturais, os Paumari enfrentavam muitos problemas como a pesca predatória dentro das terras indígenas, situação que mudou com o trabalho de manejo do pirarucu, que uniu as aldeias das três terras e fortaleceu a organização do povo.
“Nós tínhamos muitos problemas com os ‘invasores’, barcos pesqueiros e ribeirinhos que moram próximos às terras, que frequentemente eram vistos pescando em nossos lagos”, informa Clemildo Paumari, da TI do Lago Paricá, ao explicar a importância das regras para o manejo.
“Eu vejo que a atividade de organização comunitária é abrangente porque a gente pega desde o orçamento familiar para que eles tenham noções mínimas de como gastar o dinheiro sem ficar com dividas até o fortalecimento da vigilância. São pessoas que estão se disponibilizando a proteger o seu território, entendem e levam o seu mapa territorial e o plano de gestão, e quando é necessário explicar o que eles estão fazendo ali, conseguem ter argumentos mínimos para que o invasor saia”, reitera Vinicius Benites.
Durante a reunião, as equipes de vigilância foram formadas por aldeias e as escalas de vigilância também foram montadas. Para a contagem de pirarucu nos lagos de reserva deste ano – que está prevista para ser feita na última semana de agosto e será usada para base de cálculo da pesca de 2015 – serão contados 15 lagos na TI Manissuã, 11 lagos na TI Paricá e quatro na TI do rio Cuniuá.
A confiança do povo está tão em alta que até as mulheres tiveram destaque na assembleia e avaliaram a organização da cozinha durante a pesca do ano passado. Elas fizeram novas propostas sobre a participação delas nas atividades e reuniões, além da divisão de grupos para a pesca deste ano.
Divisão de lucros
Sobre a divisão de lucros, foi mantida a decisão de separar 30% da renda obtida com a venda do peixe para a Cooperativa Mista Agroextrativista Sardinha (Coopmas), localizada no município de Lábrea (AM), para futuros investimentos no manejo. Os 70% restantes serão divididos de acordo com uma tabela de pontuação montada pelos Paumari, com o apoio dos indigenistas da OPAN. Cada ação do manejo vale ponto, de acordo com a organização e divisão de tarefas. Quem cumprir com as suas obrigações vai acumular pontos; que serão revertidos em dinheiro seguindo uma base de cálculos.
No ano passado a divisão foi feita de forma igualitária, tanto com quem participou apenas no dia da pesca tanto com quem trabalhou nos cinco anos de preparação para o manejo. O objetivo, naquele primeiro momento, foi de unir e conseguir trazer as pessoas que estavam afastadas para próximo do projeto. “Agora, a ideia dos pontos é valorizar o empenho de todos”, diz o coordenador do Programa Amazonas da OPAN, Gustavo Silveira. “Quem contribuiu um pouco mais vai receber mais, quem contribuiu um pouco menos vai receber menos. É natural que uns se dediquem mais que outros e esta é também uma forma de incentivar um envolvimento maior do povo”, avalia Silveira.
Nova pesca autorizada
Os Paumari comemoram também a liberação da nova licença do Ibama, com anuência da Funai, para realizarem a pesca manejada de 80 peixes – número estabelecido a partir da contagem dos lagos antes da primeira despesca, em 2013. Este número equivale a 17% dos pirarucus nos lagos manejados e está bem abaixo do limite permitido, que é de até 30% dos peixes adultos acima de 1,5 metros avistados na última contagem.
Entre o povo, a confiança e a expectativa são as melhores para a pesca em setembro. “No ano passado, a gente sentiu certa ansiedade, mas para esta pesca eles estão mais amadurecidos. E o legal é que eles estão visando à continuidade do trabalho. Sobre a cota dos peixes, eles sempre pedem menos do que o limite dos 30%. Os Paumari estão caminhando muito bem, devagar, isso vai fazendo com eles amadureçam ainda mais”, ressalta Benites.
Contatos com a imprensa
Carla Ninos – carla@amazonianativa.org.br
Telefones: 65 9958-6109 e 65 3322-2980