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Um giro de 360 graus

Marãiwatsédé revolta-se contra extinção da CR de Ribeirão Cascalheira (MT). Funai volta atrás.

Marãiwatsédé revolta-se contra extinção da CR de Ribeirão Cascalheira (MT). Funai volta atrás.

Por: Andreia Fanzeres/OPAN

São Félix do Araguaia, MT – Com estranheza e decepção, o povo Xavante de Marãiwatsédé recebeu no dia 16 de junho a notícia de que a Coordenação Regional (CR) da Funai em Ribeirão Cascalheira havia sido transferida para o município de Carolina, no Maranhão. A unidade, localizada a cerca de 130 quilômetros da Terra Indígena Marãiwatsédé, no nordeste de Mato Grosso, atendia a área com exclusividade e tinha autonomia para executar e gerir financeiramente seus recursos. O prédio em Ribeirão Cascalheira passaria a sediar não apenas uma, mas duas Coordenações Técnicas Locais (CTLs), subordinadas à Coordenação Regional da Funai em Cuiabá, a mais de mil quilômetros de distância.

Este foi um dos últimos atos do ex-presidente interino da Funai, Flavio Chiarelli Vicente de Azevedo, substituído no dia seguinte por João Pedro Gonçalves da Costa. O novo presidente, por sua vez, após uma reunião em Brasília mediada pela procuradora da República Márcia Zollinger, revogou a portaria que determinava a mudança.

Na prática, a alteração não era uma mera formalidade. “Isso vai nos enfraquecer muito. Estão judiando dos índios. A Funai não está sendo transparente”, reclamou Damião Paridzané. Segundo o cacique, há cerca de 15 dias ele conversou com a assessoria da presidência da Funai por telefone, que o tranquilizou a respeito da possibilidade de extinção da CR de Ribeirão Cascalheira. De acordo com o servidor Denivaldo Rocha, que estava ao lado de Paridzané nesta ocasião, a Funai tinha garantido que não havia a intenção de modificar a CR de Ribeirão Cascalheira sem consulta. “É um absurdo. Se fosse ter alteração, era para nos chamar e discutir. Vai ser praticamente impossível trabalhar”, disse o servidor diante dos Xavante, que se reuniram assim que souberam da notícia.

A surpresa da decisão em retirar a coordenação regional de Ribeirão Cascalheira foi também do procurador da República em Barra do Garças, Wilson Rocha de Assis, que coincidentemente estava fazendo uma visita à aldeia em Marãiwatsédé no momento em que os indígenas trouxeram a notícia. “Eu também fui pego de surpresa. Não tenho nenhuma informação sobre isso. Eu recebi um ofício da ex-presidente da Funai, Maria Augusta Assirati [junho de 2013 a setembro de 2014], que disse não haver, na época, nenhuma intenção ou proposta de extinção da CR de Ribeirão Cascalheira”.

Para a Funai, no entanto, todos estavam avisados sobre a mudança. “As lideranças da TI Marãwaitsédé, desde a instalação da CR Ribeirão Cascalheira, tinham conhecimento de que a unidade funcionaria provisoriamente e com o objetivo específico da desintrusão. O diálogo da Funai com essas lideranças vem sendo estabelecido desde então, sempre no sentido da necessidade de se retirar a unidade regional de Ribeirão Cascalheira para atendimento a contextos mais amplos”, informou, em nota.

Ainda de acordo com a Funai, a CR de Ribeirão Cascalheira foi criada com objetivo específico de viabilizar o processo de desintrusão da TI Marãiwatsédé. “Concluída a desintrusão, em janeiro de 2013, esgotou-se o motivo de sua existência, uma vez que não há razões técnicas, indigenistas ou administrativas que corroborem a continuidade de uma unidade regional para atendimento a apenas uma Terra Indígena e a cerca de mil indígenas”, diz a nota da Funai.

Cobertor curto

“Eu fiquei muito chateado. Quanto tempo demoramos para trazer a Funai para perto dos índios?”, lamenta o cacique, referindo-se às quatro décadas de peregrinação do grupo de Marãiwatsédé até seu território tradicional, de onde foram retirados à força pela ditadura militar, em 1966.

“A meu ver, a ação do [ex] presidente da Funai foi absurda. Passamos pouco tempo perto da Funai. Isso é forma de nos afastar de novo. Estão avisando no rádio que vão reinvadir Marãiwatsédé”, complementou Arimateia Tserenhitomo Utetse.

Caso os Xavante não conseguissem esclarecer esta questão, o Ministério Público Federal estava pronto para entrar na Justiça e tentar manter a CR. Os motivos são muitos. E o direito à consulta é um deles. “Marãiwatsédé ainda vive uma situação de muita vulnerabilidade. A gente precisa da estrutura de uma coordenação regional próxima e forte. A gente ainda está na terra indígena mais devastada da Amazônia Legal”, lembra o procurador Wilson Rocha.

Estrada que corta a TI Marãiwatsédé continua aberta para tráfego de veículos, deixando a terra indígena em situação de vulnerabilidade. Foto: Andreia Fanzeres/OPAN

O próprio site da Funai, na descrição sobre a CR de Ribeirão Cascalheira, reconhece esta situação de fragilidade ao informar que “a comunidade indígena Marãiwatsédé, embora tenha reconquistado seu território com a Operação Tsa’Ãmri, após anos de espera, ainda encontra-se em situação de vulnerabilidade em diversos aspectos essenciais à sua cultura, posse e usufruto da terra, pois permanece na região o conflito com antigos invasores, dificultando a efetiva ocupação de todo território. Tal conjuntura requer maior foco de ações da Coordenação Regional e dos indígenas para a proteção e monitoramento territorial e ambiental”.

Na nota enviada pela Funai antes da revogação da portaria, o órgão explica que o funcionamento de duas CTLs, transferidas do município de Carolina (MA) para Ribeirão Cascalheira, promoverá condições para o desenvolvimento das ações indigenistas da Funai junto às comunidades da TI Marãwaitsédé. “A CR Timbira, por sua vez, atenderá cerca de 10 mil indígenas dos Povos Apinajé, Krahô, Canela-Apãnjekrá, Canela-Ramkokamecrá, Krikati, Gavião Pikopjê e Gavião Parkatejê das Terras Indígenas Apinajé, Porquinhos, Kanela, Governador, Kraolândia e Krikati, dos estados de Tocantins e Maranhão. Possibilitará, ademais, o melhoramento das condições de trabalho das CRs Araguaia-Tocantins e Maranhão, as quais, atualmente, enfrentam problemas logísticos de grande profundidade e gama excessivamente extensa de problemas vivenciados pelas comunidades indígenas”.

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