OPAN

Um olho no peixe, outro no relógio

Povo Deni e extrativistas estudam a técnica de contagem de pirarucu.

Povo Deni e extrativistas estudam a técnica de contagem de pirarucu.

Por: Dafne Spolti/OPAN

Carauari-AM – Silêncio, movimentos leves, olhos e ouvidos atentos para fazer a lição corretamente. Foi com essa postura que o povo Deni do rio Xeruã e os extrativistas da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Uacari participaram das aulas de contagem de pirarucu ministradas pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá no projeto “Arapaima: redes produtivas”, executado pela OPAN com recursos do Fundo Amazônia. A dedicação garantiu boas notas e, mais do que isso, agora os extrativistas e os indígenas têm total condição para monitorar a conservação dos lagos e para solicitar uma cota de pesca (máximo de 30% do número de peixes), seguindo os preceitos legais do manejo – leia aqui reportagem sobre o assunto. 

Lago Marari Grande, RDS Uacari. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

Os extrativistas se reuniram para a oficina na comunidade Xibauazinho entre 24 e 26 de agosto de 2015. Há três anos eles fazem a pesca manejada na RDS, porém sempre precisam contratar um contador de fora para solicitar autorização das cotas de pesca, explicou Zenildo Brito de Oliveira, que veio da comunidade Santo Antônio do Brito, no setor Cinco da reserva. Ele estava animado para aprender a técnica porque a partir dela ficarão independentes na contagem.

Na Terra Indígena (TI) Deni, os indígenas desenvolvem etapas do manejo do pirarucu desde 2011, fazendo ano a ano a contagem e a preservação dos lagos. Puravi Makhuvi Deni, coordenador de contagem da aldeia Morada Nova, enfatizou que a conservação do território Deni, necessária para os trabalhos de manejo, não vem de agora. Desde a demarcação, em 2003, os indígenas realizam vigilância e, por isso, durante as oficinas, defendeu que já podem fazer uma pesca sem prejudicar a natureza. As atividades foram realizadas nas aldeias Boiador e Morada Nova, entre 27 e 31 de agosto.

Contadores de pirarucu em assembleia da Aspodex. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

A contagem do pirarucu, técnica que associa o conhecimento de pescadores aos métodos científicos tradicionais, é feita no momento em que o peixe sobe à superfície para respirar. O professor Ruiter Braga da Silva, técnico do Instituto Mamirauá, explicou aos alunos que essa emersão, também chamada de boiada, ocorre porque, apesar de possuir brânquias, o pirarucu precisa da respiração aérea para encher seu pulmão (bexiga natatória) de oxigênio. Dessa forma, em intervalos de cinco a 15 minutos,passa pela superfície, possibilitando que o contador tome nota. Mas se o peixe se sentir com medo ou acuado, o tempo pode aumentar para até uma hora, por isso o silêncio é tão importante.

Foi com essas lições em mente que os Deni e os extrativistas fizeram a aula prática e depois passaram também por uma avaliação individual, a partir da comparação com os dados dos professores Ruiter e Raimundo Martins Mota, que é contador certificado pelo Instituto Mamirauá. Seguindo por trilha ou por canoa, mesmo com chuva marchavam para a atividade e, em duplas ou trios, posicionavam-se no lago durante 20 minutos, conforme estabelecido para a contagem.

Oficina de contagem das aldeias Boiador e Itaúba. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

Na RDS, a caminho do lago Marari Grande, o jovem Adriano Souza Araújo, de 20 anos, aproveitou para fazer um outro tipo de monitoramento do pirarucu, via radiofrequência, uma atividade do projeto Médio Juruá, que busca entender a dinâmica de deslocamento do pirarucu. Carregando uma ficha com o nome dos seis peixes que monitora, cada um homenageando uma pessoa da comunidade, o rapaz abriu um grande sorriso quando conseguiu localizar Macedoni em seu aparelho. Adriano, que teve 100% de acertos em sua avaliação na oficina de contagem, aprendeu a se interessar pelo pirarucu com seu pai, Francisco. Ele revelou que, antigamente, o pai pescava muitos peixes sem se preocupar com o fim da espécie, mas que depois mudou sua perspectiva. “Durante as reuniões de criação da RDS ele foi mudando de ideia e passou a ser um preservador”, disse.

Adriano Souza Araújo, ao localizar Macedoni. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

Além de muita concentração, somente quem conhece bem o pirarucu pode ser um bom contador, como os Deni e os extrativistas da RDS. A técnica exige que a pessoa saiba identificar o peixe visualmente e reconhecê-lo também pelo som que faz na água, especialmente quando o lago impuser dificuldade visual, por exemplo, pela presença de muita vegetação. Reconhecer o pirarucu significa saber também se é um peixe adulto – a partir de 1,5 metros – ou jovem, também chamado de bodeco, que mede entre 1 e 1,49 metros. Ruiter enfatizou, ainda, que um contador de pirarucu precisa levar o trabalho muito a sério para não superestimar o número de peixes colocando a espécie em ameaça e fez vários comentários em elogio aos Deni e aos extrativistas nesse sentido.

Ao final das oficinas, tanto na RDS, quanto no território Deni, foram realizadas rodas de conversa com a apresentação das notas – a maioria excelente – e avaliação verbal de toda a atividade. Nesse momento, houve trocas de elogios em relação à dedicação dos alunos e a atenção e disposição dos professores.

Com esse treinamento em contagem, todos receberão do Instituto Mamirauá um certificado de participação em que constará a nota detalhada da avaliação. O próximo passo para se especializar ainda mais e se tornar um contador profissional é ser aprovado em um outro tipo de avaliação: a certificação em contagem de pirarucu. Essa outra prova exige uma logística bastante difícil – a conferência dos dados é feita indivíduo a indivíduo, a partir da captura em uma grande rede – que passa a ser exigida para as áreas estaduais a partir da nova legislação que rege a pesca do pirarucu no Amazonas.

Professor Ruiter e indígenas das aldeias Morada Nova e Terra Nova conferindo os números da contagem. Foto: Tarsila Menezes/OPAN.

A RDS Uacari é localizada no município de Carauari, às margens do Médio rio Juruá. Faz limite com a Reserva Extrativista (Resex) Médio Juruá, com a TI Rio Biá e com a TI Deni. Os moradores da RDS, que compartilham de uma realidade muito próxima à dos Deni, participam dos processos de fortalecimento comunitário e valorização dos arranjos produtivos dos óleos vegetais e do manejo do pirarucu no projeto “Arapaima: redes produtivas”. Também chamados de ribeirinhos, os extrativistas da RDS vivem principalmente dos recursos da floresta, do roçado e da pesca.

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