As escolhas coletivas do povo Deni
Em assembleia, os Deni do rio Xeruã falam sobre conquistas e desafios, construindo planos futuros para fortalecer a gestão de sua terra.
TI Deni/Itamarati, AM – A cena inicial da assembleia da Associação do Povo Deni do rio Xeruã (Aspodex), realizada no final de setembro, mostrava o astral sempre alegre do povo Deni. Homens e meninos, alguns com cabelos estilosos e óculos de sol, com roupas coloridas, usando colares de dentes de macaco e pulseiras de miçanga, organizavam os documentos e a mesa. Enquanto isso, celulares conectados a uma enorme caixa de som tocavam cantos Deni. Logo, todos se concentrariam para ver a chegada e a apresentação das mulheres. Pintadas de urucum e jenipapo, usando nos cabelos tiaras de penas coloridas, brincos e muitos colares, elas cantavam em defesa da associação nesta décima terceira assembleia, realizada com apoio do projeto Raízes do Purus, patrocinado pela Petrobras. Durante três dias, discutiram assuntos envolvendo a proteção da terra, educação escolar indígena, saúde, direitos, eleições e outros temas relacionados ao cotidiano e à qualidade de vida.
Logo no começo, todos puderam conhecer os avanços no balanço financeiro da Aspodex, resultado da crescente apropriação dos Deni sobre gestão organizacional e aos acordos de repartição dos benefícios do manejo de pirarucu. O professor Misiha Bukure Deni, tesoureiro da associação, mostrava as contas nas planilhas feitas em cartolina, com os gastos e os recursos adquiridos. “Arikha associação amushide kha”, disse, mostrando o aumento de recursos e que as contas, aprovadas por todos, estão indo bem. A partir de doações realizadas por cada aldeia, conforme combinado na assembleia de 2016, e o montante da comercialização de pirarucu de duas pescas, além de andiroba, alimentos do roçado e artesanatos, eles conseguiram alcançar recurso suficiente para desenvolver projetos próprios e decidiram, então, investir na criação de galinhas para consumo, comercialização e pensando ainda na possibilidade de que componham a merenda escolar.
O que tem formalmente previsto sobre a merenda é o projeto Mahaniru, em que pretendem inserir produtos do seu roçado no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), já que os alimentos industrializados e enlatados fazem mal à saúde, como todos afirmam. “Falta só autorização da prefeitura pra gente. Já temos DAP [Declarações de Aptidão ao Pronaf]”, destacou o presidente da Aspodex, Pha’avi Hava Deni, porque se a prefeitura lançar um edital poderão submeter a proposta.
Pela primeira vez, nesta assembleia, o projeto Mahaniru parece ter recebido atenção da prefeitura. “Espero que agora possam ter um cardápio para atender sua cultura e suas necessidades nutricionais”, disse a nutricionista da Secretaria Municipal de Educação de Itamarati, Danyelle Amazonas, que acabara de conhecer o roçado e a forma de alimentação dos Deni, se dispondo a fazer um plano de alimentação junto com eles, que seria o primeiro passo para a prefeitura adquirir os alimentos para o PNAE. As mudanças envolveriam também aldeias de outros povos, como os Kanamari do rio Xeruã, que cobraram alimentos saudáveis, além de regularidade na entrega da merenda, que chega às vezes com atraso.
Para manter a fartura na sua terra, os Deni fazem desde a época da demarcação, a vigilância territorial, agora fortalecida com o manejo de pirarucu pela importância da proteção dos lagos. O assunto teve ampla discussão por conta de ajustes que querem fazer para a atividade. Um dos primeiros a se posicionar foi Kuama Varasha Deni. Ele deixou claro que é preciso impedir a entrada de pessoas de fora, não autorizadas. “Já mandei dois kariva embora”, disse. O vigilante A’airidé Kuniva Deni, da mesma aldeia, destacou: “não pode passar direto no flutuante [de vigilância]”; e o cacique Mahuru Hava Deni disse ainda que não podem se meninos novos fazer a vigilância. “Vigia tem que ser homem, homem barbado”.
Além dos pontos técnicos, eles destacaram que é preciso fazer registros rigorosos de informações durante os períodos de vigia, ter zelo com os equipamentos de radiofonia e mencionaram pontos de seu plano de gestão que precisam ser cumpridos no fortalecimento da proteção territorial. Conforme definido em assembleia, haverá outras reuniões para melhor detalhamento e acordos sobre a vigilância. Além de ser importante para a sua terra, a atividade contribui com a proteção da terra dos Kanamari que moram no mesmo rio Xeruã. Por isso, o povo Kanamari se comprometeu a contribuir com rancho para os vigias.
Apesar de avanços como o fortalecimento da gestão territorial a partir de manejos sustentáveis, ainda há questões sem solução que vêm sendo pautadas entre os povos Deni, Kanamari e Kulina, também presentes. Entre as lacunas mais antigas estão a falta de medicamentos, o atendimento precário quando vão à cidade, a necessidade de construção de um novo Polo Base de Saúde Indígena no rio Xeruã e as condições de transporte das pessoas doentes para o polo de saúde (sendo essa uma das questões mais urgentes). Na educação escolar indígena querem maior formação para preenchimento de boletins, materiais didáticos, contratação de professores, merenda escolar e outras demandas. Sem resposta há muitos anos, novamente os indígenas escreveram cartas cobrando as melhorias aos órgãos responsáveis.
Além dos parceiros Kanamari e Kulina, participaram da assembleia do povo Deni a prefeitura, a ex-candidata à prefeitura, Francisca Graciene Nogueira Feitosa, conhecida como Santa, a Cooperativa de Desenvolvimento Agroextrativista do Médio Juruá (Codaemj), a Secretaria Executiva de Repartição de Benefícios do Médio Juruá, o Conselho Missionário Indigenista (CIMI) e a Operação Amazônia Nativa (OPAN).
Eleições e legitimidade
Na assembleia houve uma análise de conjuntura sobre o contexto atual dos retrocessos na política indigenista e as ameaças aos direitos indígenas. Logo na sequência, os presentes conversaram sobre as eleições deste ano. Miguel Gomes de Souza, Kanamari da aldeia Santa Luzia, falou que as pessoas não devem vender seus votos por uma botija ou um litro de gasolina. “Eles lá em Brasília querem acabar e diminuir nossas terras”, disse, defendendo ainda que todos votassem em candidatos indígenas. “Se um candidato te der mil reais você vai viver mil anos?”, falou em referência à intenção que tem movido muitos dos parlamentares e membros do executivo, que é a exploração de recursos naturais sem critérios e sem respeito às terras indígenas.
Além da política eleitoral, os Deni combinaram melhor quais são as lideranças oficiais do povo Deni e quais as suas responsabilidades, para não terem problemas de legitimidade em suas representações. “Eu não trabalho na cidade, eu trabalho na aldeia”, disse Biruvi Makhuvi Deni, esclarecendo que existem diferenças de papéis entre as diversas lideranças. Eles esclareceram, então, os seus representantes de cada uma das aldeias tanto para os assuntos internos quanto para os externos. Além disso escolheram as pessoas, Deni e Kanamari, que vão participar dos conselhos de educação e saúde no município de Itamarati.
Pensando em garantir a democracia de suas decisões, que agora envolve a gestão financeira de recursos e a execução de projetos próprios, os Deni farão também reuniões trimestrais nas aldeias com a Aspodex para não tomarem nenhuma decisão que não seja coletiva e em benefício de todos.
Aspodex com mais força e autonomia
Criada em 2006, dois anos após a homologação da Terra Indígena Deni, com apoio do Conselho Missionário Indigenista (Comin), CIMI, OPAN e outros parceiros – tendo ainda o Greenpeace papel fundamental no processo de luta pela demarcação da terra –, vieram no surgimento da Aspodex discussões sobre políticas públicas como as de educação e saúde e a Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em Terras Indígenas (PNGATI), além dos trabalhos com produtos da floresta e proteção territorial, explicou Pha’avi Hava Deni, da aldeia Boiador, atual presidente da associação.
Antes disso, era outra a forma de se organizarem: “Acho que sempre teve uma organização local porque antes sempre faziam amusinaha [festas sobre alimentos das épocas do ano, por exemplo] e a keriha [festa de patauá com tapioca]”, disse o Pha’avi, explicando que todas as aldeias se reuniam para cantar e fazer as atividades e brincadeiras tradicionais [que também realizam atualmente].
Ao longo dos anos, a Aspodex vem se fortalecendo, o que o indigenista da OPAN, Renato Rodrigues Rocha, acredita estar vinculado exatamente à realização da assembleia, que é um momento muito importante para os Deni, e agora ao trabalho com os manejos do pirarucu, dos produtos florestais não madeireiros e outros. “A associação deles vem ganhando importância e agora está melhorando a gestão financeira com os manejos”, destacou Renato.
“Hoje eles sabem melhor e entendem melhor como gerir a Aspodex. Como prestar contas, como fazer um orçamento, e estão mais conscientes neste sentido, inclusive em como otimizar os recursos. Então, por exemplo, o Pha’avi estava me falando que cada família se comprometeu em levar um ranchinho pra assembleia, pra não tirar dinheiro do caixa e gastar com isso. Achei genial”, concluiu a indigenista Tarsila dos Reis Menezes.
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