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Justiça Federal suspende atuação de grupo não especializado na TI Piripkura

MPF aponta que profissionais não possuem a formação e isenção necessárias para a execução dos trabalhos de identificação da TI. Magistrado deu 15 dias para a Funai responder questionamentos.

HELSON FRANÇA/OPAN

A Justiça Federal suspendeu o processo de identificação da Terra Indígena (TI) Piripkura, que seria feito por um Grupo Técnico (GT) composto por profissionais indicados pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Conforme o Ministério Público Federal (MPF), os integrantes não possuem a formação e isenção necessárias para a execução dos trabalhos. Na decisão da última quarta-feira (07), o juiz Frederico Martins estipulou um prazo de 15 dias para a Funai responder aos questionamentos do MPF – que pediu a substituição dos membros do Grupo. 

O reconhecimento da área pelo GT é uma das últimas etapas do processo de demarcação de uma TI. Localizado na região Noroeste de Mato Grosso, o território Piripkura é habitado por Tamanduá e Baita, indígenas que vivem isolados por questão de sobrevivência. Eles são dois dos últimos remanescentes de um grupo quase todo dizimado por invasores. A outra sobrevivente dos Piripkura, Rita, atualmente vive com os Karipuna, em Rondônia.

Rita, a terceira sobrevivente do genocídio sofrido pelos Piripkura, vive com os Karipuna, em Rondônia

Na petição encaminhada à Justiça Federal, o procurador da República Ricardo Pael Ardenghi detalha o histórico dos três profissionais nomeados pela Funai e enfatiza que todos eles possuem relação com setores diretamente interessados na exploração de TIs, o que evidencia um conflito de interesses.

O coordenador do GT responsável pela identificação do território Piripkura é ex-secretário parlamentar do autor do PL 490/2007

Conforme o MPF, o coordenador do GT atuou por seis anos como secretário parlamentar do então deputado federal Homero Pereira (falecido), que presidiu a Frente Parlamentar Agropecuária. O deputado é o autor do PL 490/2007, que deturpa a política de demarcação de territórios indígenas e viola os direitos constitucionais dos povos tradicionais.

Já outro membro do GT, indica o MPF, trabalhou na elaboração da Instrução Normativa nº 09/2020, que cria mecanismos para a legalização de grilagem em TIs. O MPF também aponta que o profissional, enquanto Coordenador Geral de Geoprocessamento da Funai, esteve envolvido em 2020 nas articulações para diminuição da TI Ituna-Itatá, habitada por povos isolados e localizada no Pará.

Por sua vez, o último integrante do GT, ressalta o MPF, trabalhou na defesa técnica da aplicação da Instrução Normativa nº 09/2020.

O procurador Ricardo Pael ainda observa na petição que a nomeação dos três profissionais pela Funai contraria a legislação, pelo fato de nenhum deles possuir formação acadêmica condizente ao desempenho da atividade. Pael cita que o Decreto nº 1.775/1996, que versa sobre o procedimento administrativo de demarcação de TIs, em seu artigo 2º define que “a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas será fundamentada em trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação”.

O procurador Ricardo Pael, titular do Ofício Indígena, destaca que a nomeação dos integrantes do GT fere a legislação. Foto: MPF

No contexto da TI Piripkura, a formação de um GT pela Funai é um desdobramento de uma decisão da Justiça Federal do dia 26 de abril deste ano, que determinou maior agilidade no processo de demarcação do território. Na referida decisão, o juiz Frederico Martins também exigiu que a Funai mantenha uma equipe de fiscalização permanente na área – alvo de sucessivas investidas de fazendeiros e madeireiros.

Restrição de uso

A TI Piripkura foi identificada em 1985, a partir de trabalhos realizados inicialmente por equipes da Operação Amazônia Nativa (OPAN) e Prelazia de Ji-Paraná, responsáveis pelo desenvolvimento de ações para proteção dos grupos indígenas que vivem na região. Apesar de a ocupação tradicional de povos originários na área ter sido reconhecida, o processo de regularização fundiária da TI Piripkura ainda não foi concluído.

Em 2008, após mobilização de entidades da sociedade civil e com fundamentação no Decreto nº 1.775/1996, os indígenas ganharam mais uma salvaguarda, com a promulgação de um instrumento normativo denominado portaria de restrição de uso – fundamental à manutenção do território aos Piripkura. Como não é definitivo, já que a proteção permanente da área depende da conclusão do processo de demarcação, a portaria precisa ser renovada de tempos em tempos. A vigência da atual expira em setembro. 

Entre outras atribuições, a portaria de restrição de uso veda a exploração de recursos naturais da área de 242.500 hectares, bem como a expansão das propriedades rurais ali inseridas, além do surgimento de novos latifúndios.

Contudo, a degradação ambiental na TI Piripkura provocada pela ação de invasores tem se intensificado. Entre agosto de 2020 a abril deste ano, 2.132 hectares de floresta foram suprimidos ilegalmente.  Apenas em março deste ano, uma área de 518 hectares foi aberta clandestinamente na TI Piripkura. A extensão equivale ao espaço ocupado por 298 mil árvores.

O avanço destrutivo sobre a TI Piripkura a coloca, entre os territórios habitados por indígenas isolados, como a mais afetada por desmatamentos ilegais em 2020. Os dados foram obtidos junto ao Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), que é vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). As informações foram compiladas e detalhadas em relatório técnico produzido em parceria pela OPAN e ISA. 

Na avaliação do MPF, o avanço criminoso sobre a TI Piripkura é uma forma de pressão dos ruralistas que atuam na região, para que a portaria de restrição de uso não seja renovada.

“A iminência do vencimento do prazo da portaria de restrição de uso da Terra Indígena Piripikura, associada a atos do atual Governo Federal – como a edição da Instrução Normativa FUNAI número 9, e declarações do Presidente da República de que não demarcará terras indígenas –, acabam por criar uma indevida expectativa de que a portaria não será renovada, impulsionando as ocupações indevidas e o desmatamento ilegal”, enfatiza o procurador Ricardo Pael, em petição encaminhada à Justiça Federal.

Outras duas portarias de restrição de uso, que protegem respectivamente as TIs Jacareúba/Katawixi (AM) e Piriti (RO), têm a validade expirada neste ano, em dezembro. Já em janeiro do próximo ano, vence o efeito do instrumento normativo que protege a  TI Ituna Itatá (PA).