Atendimento histórico
Katukina da aldeia Terra Alta, no Rio Biá, recebem atendimento de saúde pela primeira vez.
Katukina da aldeia Terra Alta, no Rio Biá, recebem atendimento de saúde pela primeira vez.
Por: Dafne Spolti/OPAN
Jutaí-AM – Desde que foi fundada, a aldeia Terra Alta, também chamada de Surucucu, localizada na Terra Indígena (TI) Rio Biá, do povo Katukina, nunca havia recebido um atendimento de saúde. Por conta disso, ocorreram muitas mortes nessa aldeia. Do ano passado para cá, um menino de quatro anos faleceu com diarreia e uma mulher, Teresinha Katukina, com sintomas que indicam pneumonia ou malária, doença que tem exigido muita atenção nessa região. Também as equipes que trabalham na terra indígena sofrem consequências de um sistema de saúde ainda fragilizado. Em 47 anos de trabalho, a única morte entre indigenistas da Operação Amazônia Nativa (OPAN) em área foi justamente no rio Biá. Viviani Guimarães Rezende faleceu de malária durante uma ação de vacinação em aldeias katukina, nos anos 90. Dessa vez, provocados pela OPAN, o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) de Tefé designou um técnico de enfermagem para fazer o primeiro atendimento e o cadastro das 10 famílias da aldeia Terra Alta.
Após quatro dias de barco, percorrendo toda a extensão do rio Biá, da foz até a região da cabeceira, o técnico Jorgeson de Araújo chegou à aldeia Terra Alta com imensa disposição. Reunindo a todos, que o receberam bem, logo começou a fazer um censo da aldeia, observando as relações familiares, o número de pessoas e as condições de saúde em que se encontravam. Agia com respeito e bom humor, se comunicando em português e em algumas palavras da língua katukina, o idioma predominante na terra indígena e especialmente nessa aldeia. Na sequência, já conhecendo o nome das pessoas, distribuiu em ordem os medicamentos trazidos sobre um grande tacho, na casa de farinha, e os chamou, um a um, para tomar medicações contra vermes – exceto as mulheres grávidas. Deu sulfato ferroso para as crianças e xampu contra caspas para todas as famílias.
“Me senti privilegiado de estar com eles. Entendo pouco [o idioma] Katukina, mais o básico para enfermagem, mas fui levando. Graças à Deus consegui colher bastante informação”, disse Jorgeson. Ele verificou que algumas pessoas estão com verminoses e um bebê está em estado grave de desnutrição. Se não se fortalecer, uma diarreia pode ser fatal. Os pais da criança, que não estão habituados e pouco compreendem os procedimentos da medicina, não quiseram tratar da criança no Polo Base de Saúde, localizado na outra extremidade do território katukina, na aldeia Boca do Biá. Jorgeson os orientou, então, a fazer caldo de peixe, macaxeira e banana para fortalecê-lo, mas agora é preciso fazer o monitoramento de sua saúde.
No atendimento realizado pelo técnico, apenas uma pessoa não quis tomar remédio, seu João Surucucu, cacique e fundador da aldeia. Ele, um senhor de idade muito forte e ativo, se negou a receber o medicamento exibindo a barriga para mostrar o bom estado de saúde, o que foi compreendido por Jorgeson. Mesmo tendo negado o medicamento, João Surucucu Katukina disse ter gostado do atendimento.
Apesar das necessidades da aldeia, onde vivem 51 pessoas, Jorgeson afirmou que eles estão em geral saudáveis e que adoecem pouco, o que é perceptível na tranquilidade e na alegria com que desempenham suas atividades no dia a dia. Ele observou que parece não estarem sofrendo com diarreias frequentes, provavelmente porque mantém pouco contato com não indígenas, o que só ocorre quando vão até a região do igarapé Ipixuna, no limite da terra indígena, já próximo ao município de Carauari, onde realizam trocas comerciais. Para Jorgeson, também a alimentação deles, muito boa e rica em frutas, contribui na saúde. “Eles mantêm seus rituais, têm uma célula viva que permite essa gerência ambiental saudável”, acrescentou Ivar Busatto, coordenador geral da OPAN.
De acordo com Busatto, é preciso agora que o DSEI realize frequentemente atendimentos na aldeia Surucucu para manter em controle as questões de saúde. “Não é extremamente necessário a presença permanente, mas sim a presença assídua das equipes de saúde”, disse, destacando que os profissionais deveriam fazer visitas de 15 em 15 dias, pelo menos. Diante da dificuldade de acesso, é fundamental também manter o sistema de radiofonia funcionando e deixar com os Katukina, instruções para uso de alguns medicamentos em caso de urgência. “O que precisa é da vigilância em saúde. Precisa estar no radar”, enfatizou.
Além dos atendimentos programados da saúde, os Katukina da aldeia Terra Alta nunca receberam vacinação. Não têm proteção, portanto, contra doenças como sarampo, hepatites, tétano, meningite, febre amarela, caxumba. “Se chegar um sarampo, uma coisa assim, vai devastar a aldeia”, afirmou Edemar Treuherz, indigenista da OPAN que há 20 anos vem trabalhando com os Katukina e lutando pela melhoria no atendimento na terra indígena. Neste mês de novembro, os Katukina roçaram uma área que servirá de heliponto, já que ao longo dos anos a saúde indígena sempre alegou a distância como impedimento de ida das equipes à aldeia do Surucucu, como explicou Edemar.
Cumprindo sua função
A partir das informações levantadas pelo técnico de enfermagem, Jorgeson de Araújo, o coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) de Tefé, Narciso Cardoso Barbosa, garantiu que os dados sobre os Katukina da aldeia Surucucu serão atualizados e constarão no Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (Siasi). Assim, eles poderão receber atendimentos e vacinas, possivelmente com as equipes chegando ao local por transporte fluvial e não aéreo. Ele informou que problemas nas embarcações impediram que eles fossem até lá neste mês de dezembro, mas que em janeiro ou fevereiro de 2017 prosseguirão com o trabalho, quando já devem ter uma previsão sobre a instalação de aparelhos de radiofonia na TI Rio Biá. Outras medidas são a reorganização da configuração das equipes, incluindo a aldeia Terra Alta, e a reestruturação do polo de saúde da Boca do Biá. Enquanto as obras não estiverem prontas, o atendimento no Biá acontecerá num flutuante adaptado.
* Este texto foi possível pelo trabalho que a OPAN desenvolve na TI Rio Biá, por meio do projeto “Arapaima: redes produtivas”, executado com recursos do Fundo Amazônia.
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Dafne Spolti
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