Território feminino
Encontro debate associativismo e gestão territorial sob ótica de mulheres indígenas do noroeste de MT.
Encontro debate associativismo e gestão territorial sob ótica de mulheres indígenas do noroeste de MT.
Por Mel Mendes/OPAN
Brasnorte, MT – Mulheres indígenas das etnias Manoki, Nambiquara, Myky e Rikbaktsa reuniram-se entre os dias 13 e 15 de julho de 2015 na aldeia Cravari, Terra indígena Irantxe, localizada a 100 quilômetros da cidade de Brasnorte (MT). Elas trocaram experiências, sementes, técnicas de produção de artesanato e artefatos, além de discutir o papel da mulher nas sociedades indígenas. O “I Encontro Intercultural de Mulheres Indígenas do noroeste de Mato Grosso”, realizado pela Operação Amazônia Nativa (OPAN), através do Projeto Berço das Águas, contou com o patrocínio da Petrobras e apoio da Embaixada da Noruega. As cerca de 60 mulheres reunidas inundaram toda a aldeia com um clima de alegria, aprendizado, debates e celebração dos jeitos de viver e fazer arte indígena.
A coordenadora do Projeto Berço das Águas, Artema Lima, explicou que a proposta do encontro foi promover o fortalecimento e a valorização do modo de vida indígena e a reflexão sobre a organização social e política das mulheres a partir de trocas de informações e exemplos de experiências positivas. Ela reforçou, ainda, que todas essas questões estão diretamente relacionadas à gestão dos territórios. “As mulheres têm um papel fundamental na gestão territorial e na organização social indígena. Elas produzem alimentos, artes a partir de produtos da natureza e cuidam das famílias, por isso conhecem e defendem o território como ninguém”, completou Artema.
Para o cacique da aldeia Cravari, Paulo Sérgio Kapinxi, o encontro foi uma oportunidade única de aprendizado com outros povos e uma forma de mostrar a força e a coragem da mulher indígena. Ele destaca a importância da mulher na transmissão do conhecimento tradicional para as novas gerações em um cenário de pressões e imposições culturais por parte da sociedade envolvente. “A gente convive com muita coisa dos não indígenas, mas temos que valorizar, em primeiro lugar, o que é nosso. Quem prepara a gente para a vida é a nossa cultura, e as mães e avós são muito importantes para nossas tradições não morrerem, pois criam as crianças e cuidam dos jovens”, afirma Paulo Sérgio.
O cacique aponta, ainda, a participação das crianças, jovens e dos anciãos no evento como um indicador da mobilização e agregação social. “Tem idoso que a gente nem vê na aldeia, que não sai pra nada, mas que participou do evento todo, ensinou e aprendeu junto com as crianças e com os jovens. Isso deixa a comunidade mais forte”, conclui.
Artes que unem
Desde o primeiro dia do encontro, o que se via eram sorrisos, sementes, penas e cores para todos os lados. As indígenas trouxeram seus artesanatos e materiais para expor, comercializar, trocar e, o mais importante, compartilhar e produzir juntas. Após as apresentações das participantes, as mulheres se dividiram em grupos por etnia e elaboraram um pequeno inventário dos materiais que utilizam para fazer seus produtos. Sementes e fibras foram catalogadas e apresentadas com seus nomes na língua nativa, tipo de vegetação na qual são encontradas e época do ano ideal para coleta.
Depois da exposição dos trabalhos em grupo e durante todo o segundo dia, o barracão comunitário onde ocorria o evento virou uma grande oficina de artes. Cada povo escolheu um tipo de técnica para demonstrar para os outros o seu jeito de fazer. Desse modo, enquanto as Rikbaktsa ensinavam a arte da fazer zamata, faixa de tecido trançado utilizado para carregar crianças, as Myky construíam um tear para tecer uma rede com fios de algodão trançado e cordas de tucum (fibra natural muito utilizada em artesanato). Em outro canto do barracão, as Manoki davam aula de como fazer flechas, e as Nambiquara “batiam” coco para fazer miçangas, que mais tarde virariam colares e pulseiras.
Lindalva Sabanê, que vive no Parque Indígena Aripuanã, é uma habilidosa artesã. Sua especialidade é fazer pequenas esculturas entalhadas na semente do inajá. “Faço tatu, tamanduá, passarinhos e até gente, e usamos como chaveiro ou enfeite em colares e nas nossas casas”, explica. Ela diz que fica muito satisfeita ao ver seu trabalho reconhecido e tendo pessoas interessadas em aprender. Domitila Nanci, anciã da aldeia Treze de Maio (TI Irantxe), domina a arte de fazer flechas, colares, redes e abanos e conta que ensinou isso desde cedo a seus filhos e filhas. Mas tatu de inajá não sabia. Aprendeu com Lindalva Sabanê.
“Sou boa artesã, mas quando vi, falei pra ela: ‘fiquei com inveja do teu tatu [risos], quero fazer também’. Estou velha mas ainda posso aprender, e tenho muito a ensinar”.
Domitila Nanci
Experiências de associativismo
Na manhã do terceiro dia, todas as participantes reuniram-se para discutir formas de organização social, com destaque para as associações de mulheres. O tema foi apresentado a partir do pedido das representantes da TI Irantxe, que estão dando os primeiros passos na formação de sua associação, com diretoria já eleita.
A indigenista da OPAN, Catiúscia Custódio, apresentou diversos exemplos de associações, cooperativas e organizações de mulheres que atuam em várias frentes na defesa dos direitos indígenas e na garantia de melhorias na qualidade de vida das populações. O empoderamento da mulher indígena e o entendimento da associação como um elemento de fortalecimento cultural, agregação social e política foram os eixos norteadores da discussão. “Empoderamento da mulher tem a ver com ela se sentir forte, respeitada, capaz de falar pelo seu povo ou pela sua comunidade, e a associação é um instrumento para isso”, esclareceu a indigenista.
A presidente da Associação Indígena de Mulheres Rikbaktsa (Aimurik), Domingas Apatso Rikbaktsa, foi convidada para apresentar a experiência e as conquistas das mulheres do seu povo na gestão da organização. Ela contou que a associação foi criada a partir da mobilização das mulheres em torno da comercialização do artesanato produzido, mas logo outras demandas foram incorporadas, como: proteção do território, saúde, educação e a luta contra a discriminação em relação aos povos indígenas. “A gente viu que não era trabalho só dos homens batalhar por nós, pelo nosso povo, era nosso papel também. E começamos a nos organizar e buscar mais conhecimento e espaço nas decisões”, disse durante sua apresentação.
A presidente eleita da Associação de Mulheres Manoki, Cleonice Nasi Irantxe, falou sobre a importância desse intercâmbio. “Ouvir essas falas é uma oportunidade muito boa de aprender e conhecer mais sobre a experiência das Rikbaktsa, que já tem uma associação forte. Isso ajuda e motiva a gente, pra tocar a nossa associação que está só começando”, afirmou Cleonice.
A importância do território
“O artesanato e as apresentações vistas aqui refletem a riqueza da natureza presente nas terras indígenas e o conhecimento dos povos, principalmente das mulheres, no manejo dos recursos de suas terras”, destacou Artema Lima, da OPAN.
Marta Tipuici, liderança indígena e estudante de Ciências Sociais na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), lembrou que quando as mulheres buscam material para artesanato também fazem um importante serviço de monitoramento e vigilância territorial. Nesse sentido, defendeu que o artesanato tem tudo a ver com o território e a luta pela terra. “Sem um território garantido e os recursos conservados, não teremos como fazer nossas artes” afirmou.
Moradora da aldeia Treze de Maio, Marta chamou atenção para a necessidade e urgência da homologação da TI Manoki e as consequências da morosidade do processo (saiba mais aqui). “Existem matérias-primas que temos dentro de nossa terra demarcada, mas não podemos acessar por causa das invasões. Isso causa conflitos, e nós, donos da terra, ficamos impedidos de usar todos os recursos disponíveis no nosso território. Isso é uma violência”, concluiu Marta durante o encontro.
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Mel Mendes
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