Omissão lesiva
Atraso na homologação da TI Manoki eleva clima de insegurança jurídica. Invasões continuam.
Atraso na homologação da TI Manoki eleva clima de insegurança jurídica. Invasões continuam.
Por: Andreia Fanzeres/OPAN
Brasnorte, MT – Em 2015, o processo administrativo que reconheceu o direito do povo Manoki ao seu território tradicional debutou. A identificação da área ocorreu em 2000. Desde 2008, quando a Terra Indígena (TI) Manoki foi demarcada, os indígenas aguardam uma assinatura da presidência da República para ver sua terra homologada, dando segurança jurídica a quem deseja ter condições de usufruir em paz de seu território e também definindo a situação dos não indígenas que exploram parte dos 206 mil hectares de floresta amazônica, no noroeste de Mato Grosso. Indenizar quem ocupou a área de boa-fé no passado, em decorrência de incentivos do próprio governo, é direito defendido também pelos Manoki. Mas, enquanto nada acontece, a situação torna mais complexa a relação entre populações vizinhas que sofrem, no campo, com carências em comum. Os maiores desmatamentos ocorridos nos últimos anos na TI Manoki concentram-se justamente na divisa com o Projeto de Assentamento (PA) Tibagi, no norte da terra indígena.
“Políticos de Brasnorte estão estimulando que os assentados entrem na TI Manoki. Estão ocupando uma área e já até chamam o local de Nova Brasil”, contam os indígenas. Não é à toa, grandes incêndios têm sido registrados de forma recorrente nessa região. Os dados mais recentes de monitoramento do desmatamento e degradação florestal, aferidos pela OPAN até 2014, não deixam dúvidas (ver mapa ampliado aqui).
O PA Tibagi foi criado em 1992, antes da identificação da TI Manoki. E, ainda assim, os limites da terra indígena foram definidos respeitando a existência recente do assentamento vizinho. Lamentavelmente, o incentivo ao confronto só é vantajoso para quem tem interesse em não ver camponeses e indígenas prosperarem em seu modo de vida, pois, juntos, poderiam enfrentar desafios bem maiores. Um exemplo é o direito de serem consultados durante a fase de planejamento do potencial energético no rio do Sangue. Se construídas, as usinas dessa região poderão afogar porções relevantes da TI Manoki e do PA Tibagi.
Nas partes central e sul da TI Manoki, o resultado da falta de vontade política entristece o povo Manoki cada vez que eles registram agressões em seu próprio território. Em vez de mata, eles veem lavoura. No lugar das maiores e mais nobres árvores amazônicas, toras de madeira são arrastadas floresta afora, de forma totalmente ilegal. Onde existiam picadas, há agora estradas por onde passam tratores, esteiras e caminhões toreiros. Não há segurança para formar aldeias e a terra indígena está cheia de sedes de fazendas que se recusam a paralisar suas atividades irregulares, em afronta ao poder de fiscalização que o governo federal deveria exercer. Para os Manoki, o preço da omissão é alto: mais de 20% da Terra Indígena Manoki já viraram cinzas.
Em uma viagem de vigilância, feita em maio de 2015 por conta e risco dos indígenas com o intuito de acompanhar e registrar o que vem ocorrendo com seu território, os Manoki notaram não apenas novas áreas abertas, mas também novas fazendas, como a Elo Verde. “Antes, da estrada, não dava para ver a sede da fazenda. Agora dá. Abriram estrada nova. E pelo que estamos vendo essa estrada será uma divisa. Vão passar o correntão”, diz Sérgio Calomezoré Teodoro. As estradas, que há poucos anos eram trilhas na mata, são vias de mão dupla para caminhões pesados, carregados de madeira.
Em 2013, os Manoki se mobilizaram e destruíram pontes construídas ilegalmente pelos madeireiros sobre o rio do Sangue, utilizadas para o escoamento das toras até as serrarias. Restou, no entanto, uma sobre o rio Membeca, na divisa sul da terra indígena, rota que liga a TI Manoki ao município de Nova Maringá. Só que impedir o trânsito de carretas ali é algo que os obriga ao enfrentamento direto, o que seria um risco para todos. “Fomos até a ponte do Membeca e encontramos quatro homens armados fazendo guarda de uma porteira”, relatam os Manoki. Tiveram que retornar. “Vimos também muita tora enleirada”. Isso quer dizer que em breve haverá queimadas, usadas para abrir novas áreas para lavoura. Aliás, no mês de maio, o que chamou a atenção dos indígenas foi a extensão de áreas plantadas de arroz. “Isso aqui era um capoeirão alto. Calculamos uns 1.500 hectares só de arroz”, estima José Francisco Jomexi.
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) até 2013, a área Manoki figurava no terceiro lugar entre as terras indígenas com as maiores extensões desmatadas de Mato Grosso.
Desde os anos 70, quando os Manoki deixaram o Internato Jesuítico de Utiariti e receberam do governo a posse da área onde hoje é a Terra Indígena Irantxe, eles pleiteiam o direito ao pleno uso de seu território tradicional, que guarda histórias sagradas e recursos naturais importantes para sua sobrevivência tão extensamente descritos em seu plano de gestão territorial, publicado em março de 2013. O exemplo Manoki mostra que o alinhamento às políticas públicas como a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) ou o envolvimento de terras indígenas no planejamento energético do país vêm ocorrendo sem a garantia do direito fundamental ao seu território originário. O passo que precisa ser dado de forma urgente é a homologação da terra indígena, com indenização e desintrusão da área. E abrir mão disso não está nos planos do povo Manoki.
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