OPAN

Colocando as cartas na mesa

No Congresso Internacional de Etnobiologia e Etnoecologia – Belém + 30, indígenas apresentam seus protocolos de consulta e consentimento.

Belém, PA – Pioneiros na construção de estratégias de gestão territorial para se proteger de impactos causados por não indígenas, os Wajãpi, da Terra Indígena Waiãpi, no Amapá, foram protagonistas também na elaboração de um protocolo de consulta e consentimento, que orienta o Estado quanto à maneira como os indígenas devem ser consultados de forma livre, prévia e informada, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), instrumento que tem sido usado por diversos povos para dar visibilidade sobre as implicações de grandes empreendimentos. Wajãpi, Munduruku, Juruna da Volta Grande do Xingu e quilombolas do Quilombo do Abacatal, na região metropolitana de Belém, compartilharam suas experiências na construção desses instrumentos na oficina “Povos da floresta: conexões e autodeterminação – ferramentas jurídicas e tecnológicas para a gestão territorial na Amazônia”*, no Congresso Internacional de Etnobiologia e Etnoecologia – Belém+30.

Painel criado por Karla Dilascio durante a oficina. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

“O governo tem que explicar bem o que vai afetar. Tem que explicar o projeto com calma para que todos entendam”, disse Viseni Wajãpi. Ele contou que em sua terra, que tem 94 aldeias e 1500 pessoas, não há um cacique geral, nem um cacique que representa uma aldeia, mas sim vários chefes, e que os Waijãpi são formados por cinco subgrupos. Dessa forma, concordaram que num processo legítimo teriam que ser ouvidos todos os chefes. “Um chefe não manda no outro chefe e nem representa todos os Wajãpi”, disse ele. Neste momento, o protocolo de consulta dos Wajãpi está sendo usado no processo de diálogo com o governo sobre um projeto de assentamento previsto para o entorno da terra indígena. “Sabemos que os vizinhos vivendo muito perto vão causar impactos sociais e ambientais para os Wajãpi. Por isso estamos sendo consultados”, explicou. Para criar o protocolo em 2014 eles fizeram oficinas e reuniões com os Wajãpi de todas as aldeias.

Viseni Wajãpi. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

Um dos casos mais conhecidos sobre resultados do protocolo de consulta e consentimento é o dos Munduruku. Eles conseguiram impedir a instalação da usina hidrelétrica São Luiz do Tapajós usando seu protocolo, onde estabelecem que todo o povo tem que ser escutado. Alessandra Korap Munduruku contou, porém, o quanto a luta foi difícil, que eles não queriam a usina porque traria destruição, mas ficavam sendo acuados em tentativas de cooptação, especialmente as lideranças. “Chegou uma mala de dinheiro para o cacique e ele disse ‘quem decide é o meu povo porque eles é que vão sofrer, meus filhos vão sofrer’”. Ela destacou o papel deles na proteção de todas as vidas que moram na terra, não só das pessoas, mas também dos bichos falando do tatu, da onça, e reforçou que não vão concordar com o que os destrói: “Nós não assinamos papel contra nosso povo, contra nosso território. O que vale é nosso protocolo de consulta”, disse ela.

Também no Pará, para a construção da usina de Belo Monte, muitos povos foram enganados, como destacou o Gilliarde Juruna, em referência a seu próprio povo, que mudou todo seu modo de vida e ficou dividido por conta da hidrelétrica. “Por isso fizemos nosso protocolo, como uma forma da gente não se separar”, contou. Ele disse que agora, com o protocolo, tiveram força para barrar a instalação da mineradora canadense Belo Sun. “Fomos o primeiro grupo a barrar uma mineradora”, disse Gilliarde, lembrando de uma recente e importante decisão do TRF-1 que suspendeu o processo de licenciamento da mineradora por desrespeito ao direito de os indígenas serem consultados.

Juruna falando sobre seu protocolo de consulta e consentimento. Gilliarde à esquerda. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

Vívia e Francisdalva Cardoso apresentaram um contexto diferente dos indígenas, mas também de muitas ameaças sobre o Comunidade Remanescente de Quilombo do Abacatal, que existe há 308 anos em Ananindeua, que sofre por várias pressões, como loteamentos, falta de saneamento, rodovias, além de perseguição religiosa. Recentemente, a comunidade participou da revisão do Plano Diretor de Ananindeua exigindo o cumprimento das etapas do seu protocolo de consulta e consentimento.

Viviá e Francisvalda apresentando protocolo de consulta e consentimento. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

Segundo Vívia, no protocolo de consulta a associação, que é composta por nove mulheres e um homem, é escutada antes e, depois, o restante da comunidade: primeiro as mulheres, então os homens, crianças, pessoas com deficiência, velhos, religiosos, todos, por meio de reuniões. Vívia destacou, ainda, a importância de as pessoas estarem unidas. “A gente tem que entrar em consenso sempre porque usamos a mesma água, a mesma floresta, a mesma terra”, disse ela.

Ângela Kaxuyana, da Terra Indígena Kaxuyana/Kanayana, que é da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab), lembrou que com ou sem protocolo os povos devem ser ouvidos e que o instrumento foi criado para facilitar a comunicação com os kariva [não indígenas], que, segundo ela, não entendem de oralidade. “Nossos protocolos sempre existiram. Não é uma escrita”, disse, destacando que a consulta aos povos já é um direito garantido.

* Leia aqui sobre o uso de ferramentas tecnológicas para gestão territorial.

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