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Licenciamento a jato em discussão

Sociedade repudia PEC 65 e avalia ameaças ao licenciamento ambiental.

Sociedade repudia PEC 65 e avalia ameaças ao licenciamento ambiental.

Por: Dafne Spolti/OPAN

Cuiabá-MT – Dezenas de matérias legislativas em tramitação no Congresso Nacional buscam flexibilizar os processos do licenciamento ambiental, regulamentados hoje pelas resoluções 237/1997001/1986 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que também estão postas em xeque por uma proposta de nova resolução. Uma das matérias mais questionadas é o Projeto de Emenda à Constituição (PEC) 65/2012. Em um parágrafo de quatro linhas, a ser acrescentado no capítulo 225, “Do Meio Ambiente”, ele acaba com o rito do licenciamento ao propor que a simples apresentação de um estudo de impacto ambiental seja o suficiente para uma obra começar a ser executada. Durante audiência pública, realizada dia 13 de junho no Ministério Público do Estado, em Cuiabá, a palavra “absurdo”, em referência à essa PEC, foi mencionada por agricultores familiares, profissionais, estudiosos, populações tradicionais, promotores de justiça, organizações da sociedade e até mesmo pelo setor empresarial.

“A PEC 65 é tão absurda que é difícil imaginar que seria proposta”, diz Marcelo Vacchiano, da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), questionando se ela não serviria apenas para encobrir outros textos em tramitação, como a PLS 654/2015, do senador Romero Jucá (PMDB) e a proposta de nova resolução do Conama.

Marcelo Vacchiano e Patrick Ayala. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

As diversas tentativas de alterar o licenciamento são pautadas pelo princípio de celeridade e tratam o procedimento como um direito do empreendedor e não um processo de tomada de decisão que pode ter resultado positivo ou negativo, como explicou o professor de direito ambiental Patrick Ayala, procurador-geral do Estado. Por considerarem os processos lentos, o que em partes é atribuído à morosidade dos órgãos licenciadores, as propostas excluem ou limitam enormemente a participação do Estado, que é colocado como coadjuvante dessa decisão. Patrick Ayala esclareceu, porém, que a demora em um processo de licenciamento não pode ser usada para conseguir um efeito positivo, a continuidade do empreendimento: “Não há, em hipótese alguma, possibilidade de que a partir do silêncio administrativo decorra o direito de se desenvolver a atividade econômica”, informou.

Além de limitar a participação dos órgãos licenciadores, as propostas retiram o espaço, que hoje já é bastante limitado, dos órgãos intervenientes. Estes são – ou deveriam ser – chamados a participar das etapas do processo, auxiliando as decisões dos órgãos licenciadores. É o caso do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que avalia os patrimônios culturais das áreas. Francisco Stuchi, arqueólogo do IPHAN, enfatizou a importância da consulta ao órgão e lembrou que em Mato Grosso são registradas as mais antigas datas de ocupação humana do continente, devendo, mais ainda por este motivo, ser preservado. Ele entregou durante o evento moções do IPHAN (aqui) e da Sociedade de Arqueologia Brasileira contra a PEC 65.

Francisco Stuchi. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

Consulta às populações

Outro aspecto bem marcado durante a audiência foi a necessidade de consulta aos povos, o que está fragilmente garantido no processo vigente e é eliminado nas propostas em pauta. “Quero chamar a atenção para essa consulta à sociedade. Porque o agricultor e o indígena, as pessoas que são diretamente impactadas é que podem falar do licenciamento” disse João Andrade, do Instituto Centro de Vida (ICV) e do Fórum Teles Pires. Ele observou que hoje em dia só se escuta quem quer produzir energia e defendeu o fortalecimento do processo de licenciamento, incluindo a realização dessas consultas.

Andreia Fazeres, coordenadora do Programa de Direitos Indígenas da OPAN, que compõe a Rede Juruena Vivo, chamou a atenção dos presentes para a bacia do rio Juruena ao abrir um mapa (veja aqui) com mais de 100 empreendimentos hidrelétricos previstos para a região, sendo 85% dentro de terras indígenas ou em rios que fazem limite com essas áreas. Ela fez um apelo para que as comunidades sejam consultadas, durante todo o processo. “Ouvir as comunidades não é um anexo, isso faz parte do processo de licenciamento”, enfatizou. Além da consulta às populações, a coordenadora destacou que é preciso fazer o processo de licenciamento de forma integrada e intersetorial, com estudos aprofundados, que se comuniquem.

Andreia Fanzeres. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

Licenciamento no agronegócio

Apesar do licenciamento ambiental lembrar as grandes obras de infraestrutura, as lavouras e outras atividades do agronegócio também precisam passar por esse processo, como ficou claro durante a audiência.

Para Maria da Glória, agricultora familiar de Nossa Senhora do Livramento, a PEC 65 é contra a vida. Ela mencionou que hoje – mesmo com a resolução vigente – é muito difícil ficar livre dos agrotóxicos, presentes até mesmo nos alimentos da agricultura familiar pela proximidade com as grandes lavouras de monocultura. Maria da Glória contou que já foi banhada numa pulverização e viu até uma mãe perder seu filho por conta dos venenos, e por isso não pode aceitar a flexibilização no licenciamento ambiental.

Maria da Glória. Foto: Dafne Spolti/OPAN.
O médico e pesquisador Wanderley Pignati, professor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), listou algumas das consequências do agronegócio, citando os 200 milhões de litros de agrotóxicos utilizados anualmente em Mato Grosso, os acidentes de trabalho no frigorífico e na atividade agropecuária (são mais numerosos e frequentes que na construção civil) e o alto nível de impacto dos curtumes. “Vamos acabar com os licenciamentos das grandes fazendas?”, questionou ele.De MT para o Congresso

 

A partir das discussões da audiência pública, o Ministério Público do Estado e o Ministério Público Federal, que realizaram o evento como tem ocorrido em outros estados, irão fazer uma ata, anexando também os documentos que foram entregues na audiência, como cartas e moções de repúdio. Esse material será enviado ao Congresso Nacional, para mostrar o posicionamento da sociedade de Mato Grosso em relação às propostas de flexibilização do licenciamento ambiental.

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