A pesca mais esperada
Há anos realizando o manejo pirarucu, povo Deni realiza primeira pesca comercial com sucesso surpreendente.
Carauari (AM) – “Uôôô!”, gritavam os Deni correndo pelo acampamento até a clareira para ver lá embaixo, no rio Xeruã, a chegada dos peixes. “Três!”, “oito!”, anunciavam enquanto as canoas encostavam no flutuante. Mas eram nove pirarucus na primeira leva, o que indicava o sucesso da pesca manejada de pirarucu e um motivo a mais para os Deni passarem manhã, tarde, noite e madrugada conversando, contando piada e rindo, entre uma troca e outra de equipe do manejo. Em bem menos tempo do que previam – um dia em vez de três – capturaram os 50 peixes autorizados pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Assim que chegavam ao flutuante, os imensos pirarucus eram pesados, lavados, eviscerados, medidos, e recebiam o lacre de identificação, como mandam as regras do manejo. Depois disso, seguiam para um barco geleiro até a boca do rio Xeruã, passando por um caminho de corredeira que exigia bastante atenção dos motoristas. Quatro deles foram para a feira de Itamarati. Os outros 46 a Associação dos Produtores Rurais de Carauari (Asproc) adquiriu, realizando o escoamento com os manejadores da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Uacari e da Reserva Extrativista Médio Juruá, que também estão fazendo sua pesca, e têm o apoio da OPAN por meio do projeto Arapaima: redes produtivas, executado com recursos do Fundo Amazônia.
“Nós estamos muito felizes”, disse Poaravi Makhuvi Deni, da aldeia Morada Nova. Ele contou os passos dados para hoje conseguirem consolidaro manejo sustentável de pirarucu. O processo inclui desde a demarcação do território, a criação de sua Associação do Povo Deni do Rio Xeruã (Aspodex), a elaboração do plano de gestão territorial e as práticas de gestão, como a vigilância territorial e todas as etapas do manejo de pirarucu, voltadas à conservação. “Tem que contar a nossa história”, destacou ele.
Além dos benefícios que o manejo já vem trazendo para a organização dos Deni e para a conservação, agora com a renda gerada na pesca haverá outros ganhos na melhoria da qualidade de vida do povo Deni, como explicou o vice-presidente da Aspodex, Pha’avi Hava Deni, da aldeia Boiador. “O manejo é bom para poder adquirir produtos da cidade, e para, por exemplo, contratarmos consultores que podem dar oficinas para nós, como a de artesanato”. Ele mostrou, ainda, a dimensão coletiva de seu manejo, cujos ganhos decidiram formalmente destinar para a próxima pesca e para a realização de seus projetos.
Intercâmbio estratégico
O sucesso da pesca manejada dos Deni tem a ver também com o apoio dos Paumari do rio Tapauá, reconhecidos pela qualidade e rigor de seu manejo, que acompanharam tudo incansavelmente. Eles disseram que os Deni estão no caminho certo, mas deixaram claro que ainda há o que aprimorar. Mencionaram, por exemplo, que no momento da pesagem e limpeza do peixe poderiam ter uma divisão mais precisa do trabalho, como explicou José Lino Vintino da Silva Paumari. Ele e Sebastião Basque de Assis Paumari parabenizaram os Deni pelo manejo e os convidaram para irem a suas terras indígenas no Tapauá. “Estão de parabéns principalmente pela quantidade de peixes que têm nos lagos”, destacou Sebastião, em referência ao trabalho de conservação que eles vêm fazendo.
“Eu quero pegar experiência com os meninos [Paumari] para ter mais prática ano que vem”, disse Darawi Amilton Kanamari (que mora na aldeia Deni Itaúba), detalhando porque ficou tão dedicado à atividade,virando a noite na pesca e ainda ajudando na manhã seguinte a equipe do flutuante. Tarsila dos Reis Menezes, indigenista da OPAN, destacou que a troca de experiência com os Paumari é muito importante para o manejo dos Deni porque assim estão iniciando o trabalho da melhor forma possível. “Estão aprendendo do jeito certo com os Paumari, sem vícios”, disse lembrando que foi muito importante a participação de André e Francisco Paumari na pesca experimental de 2016 e que desde o início do projeto Arapaima os Deni vêm acompanhando por conversas e pelo vídeo “Paumari – o povo da água” o trabalho deles.
“O manejo foi sensacional. Não poderia ter sido melhor”, disse o pesquisador em manejos comunitários João Vítor Campos-Silva, conhecido como JB. Ele observou que isso é resultado da organização e do envolvimento de todas as aldeias Deni, além do suporte de parceiros. “Ao lado deles tem a Asproc que pode ser uma grande aliada no escoamento dos produtos”, destacou. Campos-Silva falou sobre a importância do manejo de pirarucu em suas diversas dimensões, explicando que é uma experiência bem sucedida de gestão comunitária dos recursos baseada na associação entre conservação e melhoria da qualidade de vida. “Este é um dos projetos de desenvolvimento sustentável mais concretos que existem, um dos exemplos mais bem sucedidos em escala global”, enfatizou.
Assim como os Deni, a OPAN se sente muito feliz com a pesca deles, com quem trabalha desde antes da demarcação, participando de todo o processo do manejo de pirarucu, sempre na perspectiva da parceria com o povo, que é protagonista em suas conquistas: “É importante Deni ter consciência de que o aphani [dinheiro] que vai ganhar é fruto do empenho deles próprios”, fez questão de destacar o indigenista da OPAN Renato Rodrigues Rocha numa reunião feita à noite no acampamento, após a pesca. Ele e Tarsila mais uma vez mencionaram a organização do povo Deni, que está ainda mais fortalecida com o manejo: “O que a gente acha mais importante é todo mundo estar unido”, disse Tarsila Menezes. Durante a reunião houve momentos emotivos, mas logo após a conversa sobre o manejo ela seguiu com o astral típico dos Deni que dali a pouco já estavam em outro tema, falando sobre vigilância territorial. Afinal, a pesca acabou, mas ela é só uma parte da história.